Teve início mesmo há bocadinho. A Copa América 2019. Com um Brasil-Bolívia. Há bocadinho quer dizer madrugada de hoje, mas já estamos por demais habituados a que os jogos da América do Sul nos entrem em casa mais pela hora do deitar do que do levantar. E, daqui a pouco, para quem quiser, uma daquelas ‘piéces de résistance’ como o Colômbia-Argentina, que desta vez tem um português em compita, Carlos Queiroz, depois de todos aqueles anos sucessivos, e de sucesso, no Irão, metido numa nova aventura que passa, sobretudo, por conduzir a seleção colombiana ao Mundial do Qatar, em 2022.
A Copa América, que começou por se chamar Campeonato Sul-Americano doFutebol (com uma edição inaugural em 1910), nome pomposo para uma prova que, na sua primeira edição, contou apenas com a presença da Argentina, Brasil, Uruguai e Chile, orgulha-se assim de ser a competição entre seleções mais antiga da história. Esta é a 46ª edição, com os jogos marcados para seis sedes brasileiras, curiosamente só contemplando praticamente a parte sul do país, sendo Salvador (local onde Colômbia e Argentina se defrontam) o mais a norte de toda a organização, sobrando depois as cidades de Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.
Doze participantes, dois deles convidados, o que tem sido prática oficializada, o Qatar e o Japão, os outros dez da Confederação Sul Americana de Futebol (Conmebol), a Argentina, exibindo os seus 14 títulos de campeão, o Uruguai (15, e recordista), o Brasil, como não poderia deixar de ser (apenas 8), a Bolívia (1), o Chile (2, campeão em título), a Colômbia (1), o Paraguai (2), o Peru (2) e, finalmente, Equador e Venezuela, sempre parentes pobres desta competição.
Mudanças e porrada!
Todos os últimos anos têm existido alterações ao funcionamento da Copa América, desta vez tratar-se-á da alteração do ano de competição, que vai bater muitas vezes com os anos de Mundial, pelo que para o ano (2020) voltaremos a ter Copa América, dividida entre Colômbia e Argentina como organizadores. Haverá tempo para se falar disso, para já é Brasil, este Brasil que canta e é feliz, um pouquinho de Brasil, iá, iá, isto aqui, ô, ô…
Se há um nunca mais de histórias e historietas sobre as várias edições da Copa América, perguntem a um brasileiro ou a um argentino qual foi a que lhes encheu mais as medidas e eles não terão dúvidas de viajar no tempo até 1946 e até às cenas de pancadaria que marcaram o imaginário coletivo. Tudo começou aos 30 minutos da primeira parte, ainda com 0-0, e o jogo foi, logo ali, interrompido durante uma hora e dez. O jornal espanhol El Pais, pela pena do grande Félix Daniel Frascara, titulou a crónica assim: «Aquella Patada de Jair a Salomón». Depois, descreveu: «De repente, um momento em que explodiu a agressão coletiva. Salomão, caído após um choque com Jair; Fonda e Strembel perseguiram Chico e Jair; socos e pontapés; agitação geral, confusão, tropeções, paus; invasão do campo por inúmeros policias; Chico, depois de brigar com Pescia, é perseguido por Marante, leva um pontapé, continua sua corrida em direção ao túnel, e os policias, incapazes de o parar com os braços, tentam derrubá-lo com as pernas; Chico cai diante o mesmo palco formado por jornalistas, e passa a ser golpeado, até que o deixam recomeçar sua corrida até os vestiários, tendo a cabeça rebentada e olhando, confuso, com expressão de terror, para o resto do campo onde – amarga ironia – se prolonga a briga. São 5 ou 10 minutos de loucura incrível!».
Pois, pois… não há apenas samba e tango e milongas na Copa América. os seus ‘fudevu’, como gostam de dizer os brasileiros, reduzindo o ‘feu de vue’ dos franceses a uma ‘frasesinha de farroupilha’, têm uma expressão bem marcante: «Dou um boi para não entrar numa briga, mas dou uma boiada para não sair dela».
Os conflitos foram mais do que muitos. Em 1930, por exemplo, a seguir ao primeiro Mundial, disputado no Uruguai, os argentinos viram saltar-lhes a tampa. Acusaram os vizinhos de pressões e de agressões sobre os seus jogadores durante a fase final do Campeonato do Mundo, justificando que os uruguaios queriam ganhar a qualquer preço e viviam com o terror de ver a Argentina erguer o troféu em Montevidéu. Um sarilho! Que meteu questões diplomáticas. A verdade é que durante cinco anos, a Copa América ficou fechada na gaveta até que, em 1935, se voltou a disputar depois da assinatura de um pacto de não agressão.
Mas não se reduza uma extraordinária competição como esta a tranquibérnias e violência gratuita. Recordem-se, por exemplo, equipas soberbas, com a primeira do Brasil a sair vencedora, no ano de 1919, batendo o Uruguai na final, e que tinha craques com o peso de Arthur Friedenreich, Neco, Formiga ou Marcos Carneiro de Mendonça. OUruguai do final dos anos-20 com Hector Scarone, José Leandro de Andrade (a Maravilha Negra), José Pedro Cea, Pedro Petrone, José Nasazzi e Andrés Mazali. AArgentina de 1945 a 1947, baseada em La Maquina do River Plate, com Loustau; Labruna, Moreno, Pedernera e Di Stéfano, que conseguiu obter o triunfo com uma média de quase quatro golos por jogo, chegando ao exagero de dar 9-1 à Colômbia. O Peru de 1975, primeira equipa a vencer oBrasil em casa deste num jogo oficial, com Cubillas, Sotil e Chumpitaz, ou a Colômbia do início dos anos-90, com Valderrama no centro do terreno, cabelos espessos, orientando os movimentos de Rincón ou Iguarán.
A Copa América é uma montra onde brilham joias de valor incalculável. Está aí, já começou, e merece ser seguida com toda a atenção. Vamos a isto!