Se Patrick Drahi não for um nome suficientemente sonante em Portugal, bastará um dado da biografia do magnata franco-israelita (que entretanto adquiriu também a nacionalidade portuguesa) para criar uma luz sobre quem é o homem que acaba de adquirir a mais antiga leiloeira do mundo. Não fosse Drahi o fundador e presidente do conselho de administração da Altice, que depois da compra da PT, opera em Portugal como Altice Portugal – e proprietária da MEO.
Assim que foi dada a notícia da compra da Sotheby’s por Drahi, o reputado colecionador de arte britânico Brett Gorvy, cofundador e sócio da galeria Lévy Gorvy, representada em Nova Iorque, Londres e Genebra, referia-se ao dono da Altice nestes termos: «A maior parte das pessoas não parecem saber quem ele é.»
Agora que avançou para a compra da a mais antiga e maior leiloeira de arte do mundo por 3,7 mil milhões de dólares (3,27 mil milhões de euros), o mundo da arte está de olhos postos nele. O Artnet, por exemplo, apressou-se a traçar um perfil do magnata que em França, entre os sindicatos, ganhou a fama de «assassino de custos». Mas quem é afinal Patrick Drahi?
Nascido em Casablanca em 1963, Patrick Drahi era, até esta semana, um nome desconhecido no mundo da arte. Filho de dois professores de Matemática, mudou-se aos 15 anos com a família para o Sul de França, onde se formou na École Plytechnique, uma universidade de ciências e engenharia, e completou depois os seus estudos superiores na Escola Nacional Superior de Telecomunicações, em Paris.
Conta-se que nesse tempo, ainda na década de 1980, terá pedido em casamento a sua mulher uma hora depois de a conhecer, numa festa da universidade. Segundo o jornal israelita Haaretz, em 2014, apesar de os seus quatro filhos viviam entre Lausanne, Telavive e Bristol, todas as sextas-feiras se reuniam em Genebra para um jantar de família.
Um self-made man O seu império, construiu-o a pulso. Depois de uma carreira iniciada na Philips, em 1988, e de uma passagem pelo grupo americano e escandinavo Kinnevik-Millisat, onde foi responsável pelo lançamento de operadores de televisão por cabo privados em França e em Espanha, fundou, em 2011, em França, a Altice. Uma operadora de televisão por cabo que, ao longo das duas décadas seguintes, se foi expandindo através da aquisição de grupos da concorrência – em Portugal, acabaria por comprar a PT Comunicações, detentora da MEO. Num processo negocial que acabaria por não se concretizar, a Altice tentaria também adquirir a Media Capital, detentora da TVI. Dezoito anos depois da sua fundação, a Altice, da qual Drahi, presidente do conselho de administração, detém 60%, é uma multinacional de telecomunicações, media e publicidade, também presente nos Estados Unidos, em Israel e na República Dominicana.
As suas maiores aquisições foram feitas nos Estados Unidos, onde antes da compra bilionária da Sotheby’s havia adquirido, em 2015, 70% da operadora de cabo Suddenlink e da Cablevision por valores que farão a compra da Sotheby’s parecer uma pechincha: 9 mil milhões e 17,7 mil milhões de dólares, respetivamente. Ambas transformadas em Altice USA, empresa da qual detém 38%.
E desengane-se quem julgar que as aquisições de Drahi se ficam por aqui: foi ainda há três meses que, num negócio de 200 milhões de dólares (177 milhões de euros) adquiriu o Cheddar, um site de streaming de notícias financeiras dirigido a millennials.
O que muda a venda da Sotheby’s Ao mundo da arte, o nome de Drahi pode ter chegado agora. Mas à Sotheby’s o dono da Altice chega com uma coleção de arte moderna no valor de perto de 5 milhões de dólares (4,4 milhões de euros). À AFP, Thierry Ehrmann, CEO da Artprice, uma base de dados online de vendas de arte que o coloca em 252.º lugar na lista dos maiores colecionador de arte do mundo, afirma que Drahi é um «colecionador muito secreto e elitista» com interesse sobretudo por arte contemporânea, mas detentor de algumas «espetaculares» obras do artista modernista Marc Chagall (1887-1985).
Fundada em 1744, a Sotheby’s é a maior e mais antiga casa de leilões do mundo. Com uma rede de 80 escritórios, o seu volume de vendas anual ultrapassa, segundo os números disponibilizados pela própria leiloeira no seu site, os 4 mil milhões de dólares.
Com a notícia de que voltará a estar na mão de um privado pela primeira vez em 30 anos, as publicações da especialidade depressa se desdobraram em análises sobre as implicações dessa mudança: ganhará agora a leiloeira uma nova capacidade competitiva, sobretudo contra a Christie’s; ou tornará esta transação o mundo da arte ainda menos transparente do que já é atualmente? Para Alex Maroccia, analista da Berenberg Capital Markets citado pelo Artnet, «a privatização da Sotheby’s permitirá evitar o tipo de escrutínio público sobre garantias como no caso do Modigliani em 2018», referindo-se ao episódio em que uma obra do pintor italiano cuja venda tinha sido estimada em 150 milhões de dólares acabou por ser vendida por apenas 139 milhões a um fiador, numa perda forçada de 11 milhões para a Sotheby’s.