Lisboa, dia 8 de junho de 1956, Hotel Avenida Palace. Um movimento desusado instalou-se no hall do edifício da Rua 1.º de Dezembro. Havia quem estivesse à espera da chegada cada vez mais adiada de Yidnecatchew Tessema, o quarto representante de uma federação africana no 30.º Congresso da FIFA. Os seus homólogos da África do Sul, doEgito e do Sudão já estavam na capital portuguesa há mais de 24 horas. Mas Tessema, o etíope, não veio.Aviões desencontrados, escalas falhadas. Em contacto permanente com a Federação da Etiópia, ficou agendada uma reunião entre os quatro para o ano seguinte, 8 de Fevereiro, noGrand Hotel, em Cartum, noSudão. A ideia nascida nesse congresso iria avante: fundava-se a Confédération Africaine de Football (CAF). O membro do ComitéExecutivo da FIFA, Abdelaziz Abdalah Salem foi conduzido à presidência. Objetivo imediato: a criação de uma competição entre seleções do continente africano. Mas havia uma fissura que incomodava o quarteto fundador. Fred Fell, presidente da SAFA, a Federação Sul-Africana, não admitia que a sua seleção albergasse jogadores negros. Outra divergência: Egito e Etiópia, colocados em lados opostos em posições políticas num tempo de guerra-fria, lutavam por sediar a nova organização. OCairo foi a cidade escolhida, mas não houve convergência. Instada a fazer-se representar por uma equipa multi-racial, a África do Sul isolou-se e ficou de fora da primeira edição da Taça de África das Nações. A Etiópia apurou-se diretamente para a final que teve lugar emCartum. OEgito venceu os dois jogos, primeiro frente ao Sudão, depois perante a Etiópia. Tornou-se no primeiro campeão africano. A edição seguinte teria lugar noCairo. Com os mesmos três participantes, só com o pormenor de o Egito se ter fundido com a Síria numa mistura esdrúxula que ganhou o nome de República Árabe Unida. Com essa designação, repetiu o triunfo. Hoje soma 7 conquistas, mais duas do que os Camarões e quatro do que o Gana. Os Faraós são os reis de África.
A descolonização
Em 1957, praticamente todo o território africano encontrava-se sob domínio dos países europeus, sobretudo Inglaterra e França, mas também Portugal e Espanha. Os movimentos de descolonização que tiveram início na primeira metade dos anos-60 acabaram por trazer para a Taça das Nações Africanas, a pouco e pouco, novos participantes. Em 1963, já o torneio conta com seis equipas, divididas em dois grupos de três. Entre 1968 e 1990, a fase final da CAN, na sua versão em francês, Coupe d’Áfrique desNations, foi disputada por oito seleções; em seguida doze, por um curto período de tempo, e finalmente dezasseis até este ano em que novo alargamento foi aplicado. Estarão, por isso, no Egito, 24 finalistas. E no Egito por decisão burocrática de última hora já que osCamarões, a quem fora entregue a edição deste ano, não conseguiram cumprir o caderno de obrigações e viram-se a braços com a insurreição do grupo Boko Haram na vizinha Nigéria que acabou por transpor as margens fronteiriças entre os dois países. Ainda assim, a CAF resolveu dar nova hipótese aos camaroneses e já marcou para lá a fase final de 2021, se o ambiente vier a serenar definitivamente. Em 2023 será a vez da Costa doMarfim e, em 2025, a da Guiné Conakry. Isto se as coisas não derem, entretanto, os pulos em que geralmente os africanos são peritos.
Lusófonos
Angola e Guiné-Bissau serão os representantes de língua portuguesa em compita, com os angolanos a defrontarem a Tunísia na próxima segunda-feira, no Estádio do Suez, para o Grupo E, que conta também com Mauritânia e Mali, e os guineenses a estrearem-se frente ao campeão em título, os Camarões, em Ismaília, na terça-feira, tendo como companheiro de Grupo F o Gana e o Benin.
É natural que, em Portugal, os jogos destes dois países sejam seguidos com mais interesse, até porque há, em ambas, jogadores que disputam, ou disputaram, os campeonatos nacionais. Srdan Vasiljevic, o sérvio seleccionador de Angola, chamou, por exemplo, Wilson Eduardo (Braga), EvandroBrandão (Leixões), Mateus Galiano(Boavista), Bruno Gaspar (Sporting) e Jonathan Buatu e Gelson Dala (Rio Ave). BaciroCandé, por seu lado, convocou Jonas Mendy (Académico de Viseu) e Rui Dabó (Fabril), ambos guarda-redes, Juary Soares (Mafra), Mamadú Candé (Santa Clara), Nanú (Marítimo), Nadjack (Rio Ave), Sori Mané (Cova da Piedade), Bura (Aves), Mama Baldé (Aves), Romário Baldé (Académica de Coimbra) e Frédéric Mendy (Vitória de Setúbal). Praticamente um exército, contabilizando todos. E que por via das exigências dos clubes europeus jogarão em pleno Verão egípcio em vez de na habitual fase de Inverno, como até aqui.
A mais espontânea das competições continentais está aí a começar. E vale sempre a pena estar atento.