Embora menos badalado do que Damien Hirst, Jeff Koons ou Gerhard Richter, que batem recordes estratosféricos nos leilões, Miquel Barceló é um dos mais prodigiosos artistas do nosso tempo. A facilidade com que pega num pincel ou num pedaço de barro e das suas mãos sai uma obra de arte faz lembrar outro puro génio espanhol, Pablo Picasso.
Tive a oportunidade de conhecer Barceló em 2007 ou 2008, quando fez parte do júri do Festival de Cinema do Estoril. Uns anos antes tinha visto uma exposição sua no Museu Reina Sofia, em Madrid, que me deixou de boca aberta.
Encontrámo-nos no Hotel Albatroz, em Cascais, a meio da tarde. Ele chegou um pouco atrasado e pediu um uísque com gelo. Eu pedi o mesmo, mas o meu copo ficou a meio porque ao fim de quinze minutos de entrevista, a conversa foi interrompida e teve de terminar ali.
Na altura Barceló acabara de inaugurar a sua monumental intervenção na capela-mor da catedral de Maiorca (de onde é natural). Só a vi muitos anos mais tarde, em fotografias, num livro sobre o artista que consegui comprar em promoção, Portrait de Miquel Barceló en Artiste Pariétal, de Pierre Péju e Éric Mézil (ed. Gallimard). Para a catedral, Barceló imaginou uma parede de argila com doze metros de altura, cheia de pinturas e de fissuras. Nela representou a multiplicação dos peixes e dos pães, a onda gigantesca do Dilúvio e dezenas de crânios empilhados, numa abundância de matéria que remete para o confronto entre a morte e a criação. Mas o pormenor mais impressionante é talvez uma representação de Cristo, o ‘Cristo branco’, com as cinco chagas, que tem a imaterialidade de um fantasma e a força de uma epifania. Um verdadeiro assombro.
Seis ou sete anos depois da primeira vez, voltei a entrevistar Barceló, a propósito de uma exposição que fez no Museu do Azulejo, em Lisboa.
Um responsável da Embaixada de Espanha que estava a organizar as coisas deu-me apenas quinze minutos para a conversa. Fiquei desanimado, pensando que havia uma qualquer maldição que me impedia de usufruir mais longamente da companhia deste grande criador. Mas o artista, vendo o meu interesse, levou-me numa visita guiada pela exposição e falou-me detalhadamente de cada obra. Ao fim de meia hora, perguntei se não tinha de se despachar, uma vez que estava previsto um almoço no palácio de Palhavã. ‘O senhor da embaixada disse-me que só tínhamos quinze minutos…’, confessei. ‘Se calhar estão à sua espera’. ‘E então?’, retorquiu. Não parecia minimamente preocupado. ‘Eles que esperem’. E continuámos a conversar.