Depois da maior onda de manifestações que Hong Kong alguma vez viu, centenas de manifestantes invadiram, esta segunda-feira, o Parlamento da região administrativa especial e encheram o edifício de capacetes amarelos e guarda-chuvas, símbolos dos protestos que mobilizaram milhões de pessoas nas últimas semanas. A invasão aconteceu quando a cidade comemorava o 22º ano da transferência de soberania da antiga colónia inglesa para a China.
As centenas de pessoas que entraram e ocuparam o edifício pintaram as paredes da câmara dos deputados com mensagens a pedir a libertação dos manifestantes presos nas últimas semanas, arrancaram das paredes retratos de antigos chefes do Executivo da cidade, taparam com tinta negra o símbolo chinês de Hong Kong e pousaram uma antiga bandeira da era colonial. Os manifestantes levaram ainda para dentro do Parlamento um cartaz preto onde se lia: “Não há outra saída. Não há desordeiros, só tirania”.
A faixa negra remetia para as declarações de Carrie Lam, chefe do Governo local, que apelidou de “motins organizados” as manifestações que levaram centenas de milhares de pessoas a sair às ruas contra o controverso projeto de lei de extradição para a China continental – que prevê qualquer suspeito de atividade criminal possa ser julgado na China.
A ação desta segunda-feira desenrolou-se depois de uma marcha pacífica contra as comemorações do aniversário da transição de soberania Hong Kong para a China, que juntou cerca de 500 mil pessoas, de acordo com os líderes do protesto. Centenas de manifestantes juntaram-se ao grupo de estudantes que estavam à porta do Complexo do Governo Central, conseguindo obrigar a polícia de choque a recuar depois de forçarem a entrada no perímetro com carrinhos de metal.
Hong Kong era uma antiga colónia do Reino Unido, tendo sido devolvida à China em 1997 sob o acordo “um país, dois sistemas”. Na altura, foi negociado que o território desfrutaria de maiores liberdades civis – como o direito à manifestação – e teria um sistema judicial independente do resto do país, gozando de autonomia em relação ao continente. Os manifestantes temem que Pequim retire esse estatuto especial e querem manter, pelo menos, a pouca democracia que ainda têm.
O “assalto” ao Parlamento é o maior desafio à liderança autocrática do Presidente chinês, Xi Jinping, que governa desde 2012, e é visto como o líder mais aguerrido desde Mao Zedong, o fundador do Partido Comunista Chinês. O Presidente distanciou-se até agora dos eventos em Hong Kong, mas poderá ser obrigado a intervir para não perder a sua imagem de homem forte – e aí as consequências serão imprevisíveis.
Embora Carrie Lam tenha suspendido o projeto de lei que desencadeou esta onda de agitação, no dia 18 de junho, depois da maior manifestação chinesa nos últimos anos, os ativistas só aceitam recuar caso o projeto de lei seja definitivamente abandonado e depois da demissão da chefe de Governo, que é acusada de estar refém do poder de Pequim.
À hora de fecho desta edição, início da madrugada de terça-feira em Hong Kong, a polícia deu como controlada a situação, conseguindo retirar os manifestantes do Parlamento.