Todos nós guardamos em nossa casa, no local onde vivemos, as nossas coisas mais pessoais, a que atribuímos muito importância, independentemente do seu valor económico intrínseco. São objetos nossos, que para além da sua funcionalidade, guardam memórias e experiências muito significativas pelas quais passámos. Em certa medida, acabam por se tornar símbolos da nossa identidade.
A ideia que Vila do Conde teve de chamar Casa do Barco ao edifício que pretende promover a proteção do saber-fazer ancestral relacionado com a construção naval em madeira, que se encontra nas mãos dos vila-condenses, garantindo, desta forma, a sua continuidade para as gerações vindouras é uma ideia muito feliz. Poderiam ter chamado porto, estaleiro, armazém, mas não, decidiram chamar casa, local onde guardámos as nossa coisas mais importantes.
O sítio onde essa casa se encontra, não poderia ser melhor, junto ao Cais da Alfândega Régia, onde está fundeado um exemplar de uma nau quinhentista em plena funcionalidade. A rua do Cais da Alfândega, no coração da zona ribeirinha de Vila do Conde, foi o local onde outrora, laboraram os estaleiros navais vila-condenses.
Um dos atos mais importantes na construção de uma nau é ‘lançar o risco à sala’, isto é, o desenhador, planeia e executa o projeto técnico, começando por desenhar as fôrmas que irão moldar as peças principais de uma embarcação. O plano geométrico, à escala real, é desenhado num estrado de madeira no chão, por meio de réguas e virotes.
No fundo, o domínio do risco, do desenho, é o domínio da conceção da nau ou de qualquer embarcação. Neste contexto, é também de realçar o facto de a exposição patente na Casa do Barco se chamar ‘com o risco se faz um barco. Esta exposição pretende mostrar as técnicas e os processos associados à construção naval de madeira. De entre o seu conteúdo destaca-se o processo da sala do risco, arte de transformar o projeto de uma embarcação num desenho detalhado à escala real, cuja finalidade consiste na conceção das fôrmas das suas peças constituintes.
Em certa medida, com este excelente exemplo, de dar uma casa a um barco e de dar destaque ao risco, Vila do Conde, demonstra qual é a importância do mar e da construção naval para Portugal e, ao mesmo tempo, nos questiona se estamos a conseguir manter em casa, em Portugal, aquilo que é essencial para o nosso desenvolvimento sustentável…
*Sócio da PwC