Se o Parlamento Europeu confirmar a escolha de Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia, há uma porta de esperança que se abre para a Europa e para o Mundo.
Não por von der Leyen ser a ministra da Defesa da Alemanha nem por ter sido uma espécie de jogada de génio da chanceler Angela Merkel como contragolpe de uma série de amargas derrotas. Mas pelo simples – aliás, nada simples – facto de ser Mãe de sete-filhos-sete (dois rapazes e cinco raparigas).
Se a Europa confirmar como presidente da Comissão Europeia uma Mãe de sete-filhos-sete, tem de haver esperança. E tem de haver esperança por tudo o que está implícito, por tantos dogmas que se ultrapassam, pela afirmação da Mulher enquanto Pessoa, enquanto Mãe e enquanto Profissional.
Por coincidência, sou o quinto dos sete filhos de meus Pais – e o mais velho dos dois rapazes. Fazendo as contas, cresci numa casa com cinco irmãs, quatro das quais mais velhas do que eu (e, quando nasci, a mais velha tinha cinco anos).
Tal como von der Leyen, também minha Mãe é médica de formação (com licenciatura pela Universidade de Coimbra com ‘distinção e louvor’, para citar o atestado guardado no canudo de metal).
Tendo meu Pai cursado Direito e enveredado pela carreira da magistratura judicial, começando como delegado em Portimão no princípio dos anos 60 do séc. XX, de onde seguiu para Valpaços (Bragança), quando a viagem do Algarve a Trás-os-Montes demorava três/quatro dias, minha Mãe abdicou de promissora carreira para acompanhar o marido por 13 comarcas ao todo (incluindo Ponta do Sol, na então longínqua ilha da Madeira), até se fixar em Lisboa. Embora, de caminho, ainda tenha dado umas aulas e, sempre, sábias e desinteressadas ajudas e cuidados às populações mais carecidas e desamparadas.
Mas foi, sobretudo, educadora e criadora dos seus sete-filhos-sete e companheira de nosso Pai, mesmo madrugadas fora, quando já as únicas luzes acesas do tribunal eram as do gabinete onde dias e noites a fio ficava a despachar montes de processos e as da secção onde dedicados funcionários sempre o acompanharam a deixar tudo em dia (a Procuradoria-Geral da República fez-lhes Justiça ao enviar para Bruxelas os números de processos entrados, pendentes e despachados pela secção de meu Pai como exemplo da produtividade invulgar dos magistrados portugueses).
Seja como for, em Portugal, no de então como no de hoje, teria sido sempre impossível minha Mãe ter apoiado meu Pai até ao Supremo, ter tido sete filhos e, cumulativamente, ter seguido a carreira na Medicina para a qual nasceu com vocação inquestionável.
Mas, não obstante o sacrifício profissional, não conheço Mulher que mais saiba defender o papel da Mulher na Família, na Sociedade e no Mundo do que minha Mãe.
Nunca usou cabelo ‘à rapazinho’, mas vestia calças justas em Coimbra quando era moda ainda e só nas capitais estrangeiras, não queimou sutiãs nem deixou de costurar, nem precisou de pôr gravata nem exagerar na maquilhagem para afirmar fosse o que fosse. E defender, sempre e como ninguém, a paridade entre homens e mulheres. Aliás, sempre falou em paridade e não em igualdade – porque sempre elogiou a diferença e acreditou, sim, na virtude do respeito por essa diferença e pela diferença.
Como sempre pugnou pelo cumprimento das obrigações e deveres como legítimo meio para se conquistarem e fazerem valer os direitos.
Se Ursula von der Leyen, com sete-filhos-sete, for confirmada como presidente da Comissão Europeia, é a prova de que a Europa e o Mundo estão, hoje, a anos luz do obscurantismo em que vivemos durante séculos.
Von der Leyen estreou-se na política aos 44 anos. Destacou-se pelo plano de creches que implementou na Alemanha enquanto responsável pelas pastas da Família e da Juventude – tradicionalmente entregue a políticos com menos credenciais e menos peso político. Foi também a primeira mulher a assumir a tutela da Defesa na Alemanha e a criar condições para as mulheres abraçarem a carreira militar, nomeadamente facilitando o acompanhamento dos filhos criando creches de apoio a quartéis e instalações militares.
Ursula von der Leyen pode ter sido polémica e ter defendido posições que sobretudo desagradaram à ala mais conservadora do seu partido, mas soube impor-se e afirmar-se sem prescindir da sua condição de Mulher e de Mãe.
Curiosamente, a maioria dos atuais líderes europeus não tem filhos. E a Europa envelhece e definha.
A Europa, se liderada por uma Mulher Mãe de sete filhos, entra definitivamente num novo ciclo.
Para melhor. Porque, assim, há esperança. Tem de haver, nem que seja pelo simples facto – que não é mesmo nada simples – de uma Mãe de sete filhos poder liderar a Europa. Porque este é o caminho de uma sociedade desenvolvida, descomplexada e com futuro!