Guillermo Mordillo, ou só Mordillo. Um nome que é quase uma aliteração, ao qual apetece juntar o subtítulo mordaz, e que parece talhado à medida da ocupação que o celebrizou: o cartoon. O argentino morreu há uma semana, em Espanha, depois de se ter sentido mal durante um jantar de família num restaurante na cidade de Palma Nova, em Palma de Maiorca, disse a agência de notícias Efe. Mordillo, que foi também humorista e ilustrador, tinha 86 anos e continuava no ativo.
Nascido na Argentina a 4 de agosto de 1932, começou a desenhar em menino e formou-se em ilustração. A partir daí tornou-se naquilo a que hoje se chama um cidadão do mundo: trabalhou em ilustração publicitária no Peru, até aos 28 anos, quando se mudou para Nova Iorque, para perseguir o sonho de se dedicar à animação – era um admirador incontido de Walt Disney, escreve o El País no obituário que lhe dedicou. Nessa altura, chegou a trabalhar também como ilustrador nos estúdios da Paramount em personagens como o Popeye, até que no início dos anos sessenta decide rumar à Europa.
Primeiro tentou Madrid, «mas a Espanha franquista não lhe agradou», continua o diário. Mudou-se então para Paris onde, em 1966, dá o passo que viria a mudar a sua carreira, ao aceitar o convite para fazer humor gráfico. Aceitou, dirá mais tarde, não só por estar desempregado mas também por um motivo igualmente prosaico: era a única maneira de esconder que não sabia falar francês. Viveu em Paris 17 anos, e é a partir da cidade da luz que alcança fama mundial.
Razões à parte, o seu estilo, marcado por um cromatismo exuberante e facilmente reconhecível, que convida a um sorriso, torna-o famoso. Os seus desenhos centravam-se em temas universais como as relações humanas, dissecados pelos bonecos narigudas e por uma convidada tão improvável como omnipresente: a girafa. Também o facto de não nome às suas personagens, que começou por um acaso, também ajudou a que estas fossem apropriadas por públicos em toda a parte do globo. «Na verdade, esqueci-me de lhes dar nome quando comecei, mas por sua vez isso permite que todas as pessoas se identifiquem com eles», contava numa entrevista de vida à Deutsche Welle, concedida quando completou 80 anos. E porque são todos mudos? «Já tínhamos visto humor mudo com Charles Chaplin e Buster Keaton, e não sou de todo o primeiro desenhador com personagens mudar. Mas o certo é que os meus não poderiam falar (…). Eu não dominava o idioma», respondeu, referindo-se aos primeiros tempos em Paris.
Nesta senda, deixou mais de dois mil desenhos que, sem qualquer letra, falavam. Debruçou-se ainda temas como o futebol e os animais. Ainda na década de sessenta, em Paris, realiza a primeira de um total de três exposições em nome próprio que há de apresentar ao longo da carreira. A segunda foi em Barcelona e a terceira e última aconteceu há 30 anos em Palma de Maiorca.
A sua ligação à ilha era, portanto, um amor antigo. O cartoonista argentino mantinha aqui uma das suas habitações – a outra era no principado do Mónaco.
Casou com Amparo Camarasa e juntos tiveram dois filhos, Sebastién e Cécile.
Ao longo da sua carreira de mais de cinquenta anos, foi distinguido várias vezes, sendo de destacar o prémio Phoenix de Humor (1973), o Prémio Criança Amarela (1974), o Prémio Nakanoki (1977) e a Palma de Ouro de San Remo.
Na mesma entrevista, perguntaram-lhe qual balanço que fazia de oito décadas de vida. Mordillo respondeu assim: «O balanço é estupendo. Se tiver que resumir os meus 80 anos de vida, então posso fazê-lo com duas palavras: valeu a pena».