Dez anos depois do crime, Duarte Lima está cada vez mais perto de ser julgado em Portugal pelo homicídio de Rosalina Ribeiro. Uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça do Brasil – equivalente ao Supremo português – veio reforçar essa hipótese, ao não concordar com um recurso da defesa do antigo político contra uma decisão de março deste ano que confirmava a legalidade do envio do processo para os tribunais portugueses.
Depois de há quatro meses a juíza e vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, ter recusado um recurso de Duarte Lima, no qual o ex-deputado pedia a anulação do envio do processo para Portugal, a defesa decidiu voltar a recorrer, desta vez interpondo aquilo a que no Brasil se chama ‘agravo’.
A resposta chegou nas últimas semanas, numa altura em que o antigo líder da bancada parlamentar do PSD está a cumprir pena de prisão em Portugal por crimes de natureza económica no âmbito do processo BPN/Homeland. «Tratando-se de recurso manifestamente incabível, que não suspende nem interrompe o prazo para a interposição de outro recurso, verifica-se a ocorrência do trânsito em julgado da decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário», esceveu a mesma juíza, adiantando: «Não conheço do agravo em recurso extraordinário. Esgotada a jurisdição deste Superior Tribunal de Justiça, determino a certificação do trânsito em julgado da decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário, nos termos da fundamentação acima, bem como a baixa/arquivamento dos autos. É como voto».
Mas a decisão não foi apenas da juízes Maria Thereza Moura: «Nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Corte Especial, por unanimidade, não conheceu do agravo e determinou a certificação do trânsito em julgado, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Felix Fischer, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz e Humberto Martins votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Herman Benjamin e Napoleão Nunes Maia Filho».
Apesar de não ter qualquer efeito suspensivo, este agravo que não foi conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça seguiu para o Supremo Tribunal Federal – equivalente ao Tribunal Constitucional em Portugal.
No Supremo brasileiro, o caso já distribuido ao juiz Luiz Fux, um juiz que tem está no centro do terramoto que assola a justiça brasileira, depois de terem sido divulgadas conversas entre o ex-juiz e atual ministro da Justiça Sérgio Moro e o procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol em que se dá como certo o apoio de Luiz Fux à operação Lava Jato.
A defesa de Duarte Lima, a cargo do advogado João Costa Ribeiro Filho, tem-se oposto ao envio do processo para Lisboa, referindo que a proposta do Ministério Público se traduz na redução de direitos e garantias para o acusado, dado que no Brasil este tipo de casos é julgado por um tribunal de júri, situação que consideram oferecer melhores garantias do que um tribunal comporto apenas por um coletivo de juízes, como acontecerá se o caso chegar à justiça portuguesa.
A justiça brasileira tem, no entanto, recusado sitematicamente estes argumentos, insistindo que só o envio do processo poderá evitar a impunidade em caso de condenação, isto porque caso fosse julgado e condenado no Brasil nunca poderia ser extraditado de Portugal, por ser cidadão nacional, para cumprir pena.
Anulada absolvição de Duarte Lima por vícios no acórdão
Em Portugal, foi noticiado no mês passado que o Tribunal da Relação de Lisboa havia decidido anular a decisão de primeira instância, na qual Duarte Lima fora absolvido da apropriação indevida de mais de cinco milhões de euros de Rosalina Ribeiro – o dinheiro que é considerado pelos investigadores brasileiros como o móbil do homicídio.
Na primeira instância, o coletivo de juízes do Tribunal Central Criminal de Lisboa decidiu aplicar o princípio in dubio pro reo e absolveu Duarte Lima do crime de abuso de confiança quanto à alegada apropriação indevida do dinheiro de Rosalina Ribeiro.
«Relativamente ao arguido Duarte Lima, chegou-se, quanto à matéria fáctica em debate, no caso em apreciação e em relação a este crime a uma dúvida irredutível […] A prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, conduziu à subsistência no espírito do Tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto», lia-se no acórdão, que acrescentava: «Por força do princípio in dubio pro reo [na decisão de factos incertos, a dúvida favorece o arguido], decidiu-se absolver o mesmo [Duarte Lima] pela prática de um crime de abuso de confiança».
A decisão do coletivo foi anunciada com algum secretismo, numa data que não a inicialmente prevista, acabando por ser o próprio arguido a informar a comunicação social de que havia sido absolvido.
Mas Olímpia Feteira, filha do milionário Tomé Feteira, com quem Rosalina Ribeiro manteve uma relação, não se conformou com a decisão, por considerar que os cinco milhões de euros foram desviados por Duarte Lima da herança do pai – através de Rosalina Ribeiro.
E o Tribunal da Relação de Lisboa acabou por dar razão à assistente, considerando que o coletivo da primira instância tinha cometido erros, como a utilização de factos que não constavam da acusação. O acórdão voltou assim para trás para que possa ser reformulado e expurgado de vícios.
Pena de seis anos de prisão no processo BPN/Homeland
Duarte Lima foi condenado em 2014 a dez anos de prisão por burla e branqueamento de capitais e em abril de 2016, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a existência de um esquema para burlar o BPN na compra de terrenos em Oeiras, reduzindo a sua pena para seis anos. Os desembargadores consideraram ter ficado provado que «os terrenos Homeland foram vendidos ao Fundo Homeland por 47 845 000 euros, por via de um empréstimo concedido pelo BPN». E acrescentam: «O valor real da venda dos terrenos era de 30 milhões de euros; o prejuízo da Parvalorem (BPN) é a diferença entre estes valores, ou seja, 17 845 000 euros».
A 5 de abril o caso transitou em julgado em julgado e no fim desse mês o antigo deputado deu entrada no estabelecimento prisional da Carregueira, para cumprir os três anos e meio da pena de seis anos que lhe faltam cumprir, por desconto do período em que esteve em prisão preventiva.
Nesse mesmo mês foi ainda notícia a venda da casa de Lima – por mais de dois milhões de euros num leilão eletrónico. O leilão foi feito no âmbito do processo de insolvência do antigo deputado social-democrata, que corre termos no Tribunal do Comércio de Lisboa. A Parvalorem – holding estatal que ficou com os ativos tóxicos do BPN – reclama uma dívida de 20 milhões de euros; o Novo Banco reclama, por sua vez, 11 milhões; e os herdeiros de Lúcio Tomé Feteira, nove milhões.