Partido de comediante tornado Presidente vence legislativas na Ucrânia

Zelensky quer formar Governo com o partido Holos, ou Voz em ucraniano, liderado por Svyatoslav Vakarchuk, o famoso vocalista da banda de rock Okean Elzy.

Os ucranianos voltaram a ir às urnas, este domingo. Desta vez para eleições legislativas antecipadas, pouco depois das presidenciais de 21 de abril, em que foi eleito Volodymyr Zelensky, de 41 anos, um comediante popular, que ficou com um país dividido por uma guerra civil nas mãos. As sondagens à boca de urna dão ao partido de Zelensky – chamado Servidor do Povo, em honra de um dos seus filmes de comédia – uma vitória incontestada, com cerca de 44% dos votos, muito perto da maioria absoluta. O logo após sairem as sondagens, o Presidente propôs uma coligação aos liberais pró-Europa do Holos (ou Voz, em ucraniano), o recém-formado partido de Svyatoslav Vakarchuk – vocalista da famosa banda de rock Okean Elzy, que terá cerca de 6%. Zelensky já tinha essa intenção "ainda antes das eleições", afirmou.

As sondagens indicam que o partido pró-russo Plataforma Oposição – Pela Vida, terá ficado relegado ao segundo lugar, com 11,5% dos votos, enquanto o Solidariedade Europeia, do candidato presidencial derrotado Petro Poroshenko, terá conseguido apenas 8,8%. “Honestamente, não vemos uma coligação com ninguém da velha liderança”, afirmou Zelensky, aos jornalistas, após votar em Kiev. O Presidente ainda nem sequer anunciou quem quer como primeiro-ministro. “Gostaria que fosse uma pessoa absolutamente independente, que nunca tenha sido primeiro-ministro ou líder de nenhuma fação”, explicou. Algo que deixou mais descansados muitos ucranianos. “Estes novos tipos não são políticos profissionais. Eles não aprenderam como roubar”, afirmou à Aljazeera Zinaida Kononenko, logo após votar.

Mas há quem mostre preocupação quanto à falta de experiência no futuro Executivo. “Não vejo pessoas profissionais [na equipa de Zelensky]. São pessoas do espetáculo e deveriam atuar em palco”, disse à Reuters Vladimir Lantukh, um apoiante de Poroshenko de 63 anos. 

Se a liderança do Servidores do Povo é composta sobretudo por pessoas sem experiência, o mesmo poderá ser dito dos seus potenciais parceiros do Holos. À semelhança de Zerensky, o vocalista dos Okean Elzy fala para uma audiência mais jovem, cansada da política tradicional, e apostou fortemente nas redes sociais para fazer passar a sua mensagem populista. Aliás, o Holos foi o partido que mais gastou em anúncios no Facebook nesta campanha eleitoral – um total de mais de 200 mil euros, segundo o Kyiv Post.     

 

Nos bastidores Se a atuação de Zelensky como Presidente no filme Servidor do Povo conseguiu fazer rir tantos ucranianos, foi graças a um dos mais poderosos magnatas do país, Ihor Kolomoisky, o bilionário dono do canal 1+1 – para o qual o agora Presidente fez muitos dos seus programas de comédia. Desde 2016 que Kolomoisky disputa em tribunal a nacionalização do PrivatBank – temendo-se que Zelensky vá em seu auxílio. Entretanto, Kolomoisky tem defendido a independência do seu protegido. “Sou mais um fantoche dele do que ele é meu”, garantiu. “Nem Kolomoisky nem qualquer outro oligarca, ninguém me vai influenciar”, assegurou Zelensky ao site Gordon.

 

Guerra civil Para lá dos novos políticos e das novas maneiras de fazer política, como sempre o ponto quente do debate na Ucrânia é a relação com a vizinha Rússia e com a minoria de língua russa no sudeste do país. Parte da qual está neste momento num conflito armado com Kiev, pela independência da região de Donbass. Zelensky já propôs ao Presidente russo, Vladimir Putin, a abertura de negociações. Mas, em entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera, estabeleceu como condição prévia às negociações que o Presidente ucraniano “entre em contacto direto com os seus compatriotas em Donbass e pare de os rotular de ‘separatistas’”.

Se durante a campanha presidencial Zelensky recusou posicionar-se claramente sobre o assunto, desde então tornou-se muito mais assertivo. “A única língua oficial na Ucrânia é o ucraniano”, lê-se num comunicado presidencial, citado pela Unian, em que Zelensky promete manter o rumo do país “na direção da Europa e da NATO”.

É difícil perceber se sempre foi esta a posição do ex-comediante, ou se é uma resposta ao alinhamento pró-russo da Plataforma Oposição. Um dos mais importantes dirigentes do partido é o oligarca Viktor Medvedchuk, aliado próximo de Putin – que é padrinho da filha de Medvedchuk, Darina.

Para os ucranianos, o Plataforma Oposição representa a nostalgia da presidência de Viktor Yanukovich, derrubado nos protestos da Praça de Maidan, em 2014. “Essa foi uma época de ouro”, contou à Aljazeera Oleksiy Kyukin, que na altura era dono de uma fábrica de mobília. “A hryvna [moeda ucraniana] era forte, toda a gente estava a fazer dinheiro, o gás [natural] era barato”.