Depois de anunciada a sua vitória – com o dobro dos votos que teve o seu adversário Jeremy Hunt – Boris Johnson subiu ao palco e reconheceu que a sua eleição como líder dos conservadores britânicos é controversa até dentro do partido. “Haverá pessoas que vão questionar a sabedoria da vossa decisão. E talvez haja alguns aqui a questionar o que fizeram”, declarou.
Johnson, que hoje toma posse como primeiro-ministro, reiterou o mote da sua campanha como linha orientadora do seu mandato: “Concretizar o Brexit, unir o país e derrotar Jeremy Corbyn”. Metas difíceis de assegurar, dado o momento histórico que os britânicos atravessam, em pleno processo de saída da União Europeia. Além disso, o novo primeiro-ministro enfrenta um país altamente polarizado.
Unir o país Este será dos obstáculos mais difíceis de ultrapassar, tendo em conta a divisão no seio do seu próprio partido – que foi varrido por uma onda de demissões.
A primeira saída de peso foi a de Alan Duncan, secretário de Estado para a Europa e as Américas, na segunda-feira. Duncan disse à BBC que temia que o estilo de “cavalgar os acontecimentos” de Johnson provocasse uma crise de Governo. Além de Duncan, dois outros ministros do Governo de May anunciaram, no domingo, que se demitiriam esta quarta-feira caso Johnson saísse vencedor das eleições conservadoras: Philip Hammond, titular da pasta das Finanças, e David Gauke, ministro da Justiça.
No entanto, alguns membros proeminentes dos conservadores já se movimentaram para dar um sinal de unidade do partido. Após a derrota, Hunt afirmou que acreditava que Johnson iria fazer um “excelente trabalho”. Theresa May, que será substituída por Johnson como chefe do Governo britânico, salientou a necessidade de o partido se juntar para concretizar a saída da União Europeia.
Recorde-se que Johnson não foi eleito pelos eleitores britânicos, mas sim pelos membros do seu partido. O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros poderá sentir as mesmas dificuldades que May enfrentou em 2016, quando substituiu David Cameron – que defendeu a permanência na UE e saiu derrotado no referendo do Brexit, por ele convocado.
Concretizar o Brexit A principal promessa de Johnson durante a campanha foi concretizar o Brexit até 31 de outubro – o prazo estabelecido nas últimas negociações de May com Bruxelas. Ao contrário de Hunt, o novo primeiro-ministro não admitiu ficar na UE após esse prazo, mesmo que não haja um acordo de saída. Apesar de ter defendido por diversas vezes um Brexit de linha dura, Johnson agora tem sido mais cauteloso. Nas últimas semanas, tem dito que uma saída concertada entre as duas partes seria ideal e que se esforçará por um acordo diferente daquele que foi negociado por May.
“Vamos concretizar o Brexit no dia 31 de outubro e tirar proveito das oportunidades que isso trará com um novo espírito”, frisou Johnson.
Todavia, não existem sinais de que Bruxelas queira recuar na posição negocial que recusou sucessivamente abandonar, mesmo frente à incapacidade de May aprovar o negociado no Parlamento britânico. O negociador chefe da União Europeia para o Brexit, Michel Barnier, disse estar ansioso por “trabalhar construtivamente” com Johnson e que Bruxelas está pronta para facilitar o atual “acordo de saída para se conseguir um Brexit ordeiro”, de acordo com “as linhas” do Conselho Europeu.
Derrotar Corbyn Dos três objetivos que foram o mote da sua campanha, foi “derrotar Jeremy Corbyn”, o líder trabalhista, que Johnson repetiu no discurso. Há muito que Corbyn pede novas eleições, e aproveitou a vitória de Johnson para o reafirmar: “O povo do nosso país deve decidir quem se torna primeiro-ministro”. “Boris Johnson ganhou o apoio de menos de 100 mil membros do Partido Conservador, prometendo cortes nos impostos aos ricos, apresentando-se como amigo dos banqueiro e fazendo pressão para uma saída danosa não acordada. Mas não tem o apoio do nosso país”, defendeu Corbyn pelo Twitter.
A relação entre Corbyn e Johnson tem tudo para ser ainda mais complicada que a relação entre o líder trabalhista e May. O Labour não tem tido uma posição clara sobre o Brexit. Boa parte do partido defende a permanência na UE, enquanto Corbyn quer respeitar o resultado do referendo de 2016, mas mantendo uma união aduaneira com a Europa. Contudo, praticamente todos os trabalhistas concordam com o seu líder quando diz que uma saída não acordada significaria “cortes no emprego, preços mais altos nas lojas e o risco de o nosso Sistema Nacional de Saúde ser vendido a empresas americanas num acordo amoroso com Donald Trump”. O líder trabalhista, inclusive, já prometeu apresentar uma moção de censura no Parlamento.
Boris Johnson será o novo primeiro-ministro. Uma constatação que a editora de política da BBC, Laura Kuenssberg, resumiu da seguinte forma: “Uma frase que o pode emocionar. Uma frase que pode horrorizá-lo. Uma frase que há 12 meses até os seus maiores fãs teriam dificuldades em acreditar”.
* editado por José Cabrita Saraiva