A poluição das águas dos rios é um tema que teima em não desaparecer e o número de denúncias, apesar de ter diminuído ao longo dos anos, é ainda elevado. Segundo dados da Guarda Nacional Republicana (GNR) revelados ao i, desde o início de 2019 foram feitas 798 denúncias relacionadas com descargas poluentes em recursos hídricos – feitas as contas, é o equivalente a cerca de quatro denúncias por dia. Em 2018 foram registadas 1363 denúncias e, em 2017, foram 1456 denúncias que, como explica a GNR, não se relacionam apenas com “rios, mas também [com] afluentes e lagoas/lagos”.
Ainda que as denúncias tenham diminuído nos últimos dois anos, o número de contraordenações registadas aumentou. Se, em 2017, a GNR tinha levantado 191 autos de contraordenação, em 2018 levantou 217. Já este ano, o número vai em 93, o que significa que o ritmo de crescimento não vai tão acelerado como no ano passado.
Braga com mais poluição Denúncias e ocorrências são dois conceitos diferentes – as primeiras podem ou não resultar em ocorrências. Por isso, naturalmente, o número de ocorrências é sempre menor do que o número de denúncias. Olhando para o mapa, Braga lidera a tabela dos distritos com mais ocorrências registadas: só este ano, a GNR já anotou 53 casos de descargas poluentes em rios ou lagoas. Os distritos a norte de Lisboa, aliás, surgem como aqueles onde se registam mais descargas poluentes. A seguir a Braga está Viseu, com 39 situações, e depois Santarém, com 38. A tabela relativa ao ano passado não é muito diferente, com Braga a registar 131 casos; Viseu, 48; e Leiria, 45.
Viana do Castelo, Santarém e Faro são os únicos distritos que aumentaram as denúncias relativamente ao ano passado.
Nos últimos tempos, o Bloco de Esquerda tem sido um dos partidos que mais têm denunciado as constantes descargas nos rios que, como afirma, “constituem um problema de saúde pública”. As descargas poluentes não escolhem altura do ano e, quando são feitas em plena época balnear, o perigo de esta água chegar a zonas onde há banhistas é grande.
O rio Este, em Braga, é dos mais preocupantes, já que entre 2014 e 2018 motivou mais de 80 denúncias. Em janeiro contabilizaram-se pelo menos três descargas e, em abril, outra descarga provocou a morte de dezenas de peixes, e a textura de óleo era bem visível. Grande parte das descargas que têm como destino o rio Este têm origem nas águas das pedreiras, explorações industriais e agropecuárias.
A 24 de julho, no rio Pavia, distrito de Viseu, a comissão coordenadora do Bloco de Esquerda disse, em comunicado, ter encontrado um cenário “deplorável” e que a realidade “excedeu” os relatos que tinham sido feitos ao partido. “Podemos observar e documentar o que se assemelha a uma descarga de esgotos – tendo em conta que parte dos objetos estranhos encontrados no rio eram dejetos –, líquidos não identificados e dezenas de peixes mortos. A água apresenta um misto de cor verde, das algas formadas pelo excesso de matéria orgânica, e cor castanha desta mesma matéria. Também à superfície da água se observam manchas que indicam a presença de óleos ou outros produtos gordurosos”, refere o partido, adiantando ainda que a situação não é recente.
A meio deste ano, o município havia referido o seguinte: “O Senhor Presidente deu a conhecer ao Executivo Municipal que face ao alarmismo provocado por afirmações irresponsáveis quanto a uma alegada poluição do rio Pavia, o Município de Viseu, através da Águas de Viseu, solicitou a um laboratório independente a recolha e análise da qualidade da água do rio em dois pontos distintos: junto à Ponte de Pau e à Ponte das Barcas”.
Em Aveiro, o cenário não é mais animador e houve, nos últimos dias, mais uma descarga – os peixes mortos denunciam o problema. Há uma semana, no dia 22 de julho, Moisés Ferreira, candidato à Assembleia da República do Bloco de Esquerda por Aveiro, esteve no rio Cértima e alertou para aquilo que é um “problema de saúde pública, uma vez que este rio abastece vários hectares de arrozais e, por outro lado, é o principal meio de alimentação da Pateira de Fermentelos, a maior lagoa natural da Península Ibérica”. E disse mais: “Em 2017, o Governo disse-nos que as entidades poluidoras, públicas (ETAR da Mealhada e ETAR de Anadia) e privadas (Modelo Continente, Sogrape, Destilaria Levira, Virgílio dos Leitões, etc.), foram alvos de processos de contraordenação. O Governo disse ainda que os poluidores já se tinham comprometido a parar com as descargas. Infelizmente, passados dois anos, tudo está igual ou pior”.
Há solução? A Quercus recebe denúncias todos os dias. “Na semana passada recebemos uma de uma descarga que estava a ser feita na Ria Formosa, em São Martinho do Porto também”, explica ao i Paulo do Carmo, presidente da Quercus.
Ainda que não seja uma situação de seca extrema, o país atravessa uma situação de seca. E isso é agravado pelas descargas – “uma situação que se mantém e vai agravando sempre a dinâmica, a qualidade dos rios e a biodiversidade”.
Paulo do Carmo aponta a fiscalização como uma das soluções e um dos problemas. É preciso fiscalizar mais, mas também “há dificuldades na fiscalização, é difícil fiscalizar uma situação destas, porque isso exige a permanência de alguém que esteja na zona de descarga, por exemplo”, explica o presidente da Quercus. Uma alternativa seria a vigilância “através de filmagem, como já acontece no rio Tejo”.