Quando a carne chega aos pratos dos israelitas, argelinos e marroquinos, há quem não saiba que aqueles animais fizeram uma viagem de, em alguns casos, uma semana dentro de um navio sem quaisquer condições. O que se passa durante o transporte dos animais vivos de um país para o outro é uma espécie de buraco negro, não se sabe o que acontece dentro dos navios. Apenas é possível testemunhar a partida e a chegada e, garantem as associações que lutam contra o transporte de animais vivos – Plataforma Anti-Transporte de Animais Vivos (PATAV) e Setúbal Animal Save –, não existe um único veterinário durante a viagem. Percebe-se o que se passa durante a viagem pela forma como chegam os animais ao país de destino: muitos deles sujos e já doentes.
Há duas semanas, um dos maiores navios para transportar animais parou no porto de Sines para carregar entre 25 mil e 30 mil animais. A Setúbal Animal Save esteve lá a fazer uma vigília de 36 horas e conseguiu testemunhar a chegada de cerca de 70 camiões.
Esta semana foram divulgadas imagens inéditas do interior desse navio – no vídeo publicado no Facebook da Setúbal Animal Save é possível ver a falta de espaço que existe e perceber que todos os cantos são aproveitados para colocar os animais.
Esta segunda-feira de manhã, o mesmo barco chegou ao mesmo local, ao porto de Sines, para carregar mais animais. Aliás, ao i, a Setúbal Animal Save garantiu que só esta semana vão ser “carregados três navios no porto de Sines” – com bovinos e ovinos.
Negócio em crescimento Apesar da sensibilização que existe relativamente ao consumo responsável de carne, o transporte de animais vivos tem aumentado ao longo dos anos. Tal como o i noticiou há três semanas, os dados fornecidos pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) são claros: até junho deste ano, já foram transportados 162 381 animais vivos – bovinos e ovinos – para Argélia, Israel e Marrocos. Passou metade do ano e o número de animais exportados a partir dos portos de Sines e de Setúbal é quase igual ao valor atingido em 2017 – ano em que foram exportados 205 310 animais vivos.
Além de não haver um único veterinário nos barcos, os grupos contra o transporte de animais vivos têm vindo a alertar para as temperaturas extremas a bordo dos navios, uma das causas de morte dos animais. “Os navios foram criados para serem estábulos flutuantes, não estão preparados para as condições climatéricas”, alerta um dos responsáveis pela Setúbal Animal Save. Estejam os termómetros a bater nos extremos das temperaturas ou não, o transporte é sempre feito.
Durante os períodos de maior calor, a Hungria, a Áustria e a República Checa suspenderam o transporte de animais para o médio Oriente. Esta medida ainda não foi considerada em terreno português, mas a PATAV já fez chegar uma carta a António Costa para que Portugal siga o exemplo destes três países.
Por cá, a exportação dos animais ainda vivos é a primeira opção por duas razões. Primeiro, porque é muito mais barato transportar os animais vivos do que mortos – teria de haver câmaras frigoríficas específicas para a conservação da carne, e, logo aí, o custo aumenta. Depois, porque quem compra os animais – países do Médio Oriente – faz questão que estes cheguem vivos para que sejam mortos de acordo com os rituais religiosos de cada um dos países.