Sou autor da primeira tese de doutoramento sobre corrupção em Portugal. Escrevi uma Economia Política da Corrupção, onde elaborei sobre um modelo económico que prova a diminuição do potencial da economia provocado pela corrupção. Fiz o primeiro Manual do Direito da Corrupção em Portugal. Escrevi, em 2006, uma História da Corrupção Portuguesa, onde expliquei que ela era inerente ao Império Asiático Português e sua condição de sucesso durante os 30 anos que durou, a par dos casamentos misto, pois «o rei não pagava ou pagava tarde», como escreveu, no século XVI, Diogo Couto, no O Soldado Prático, e a soldadesca tinha que comer. Sem corrupção e sem casamentos mistos não teria havido Império Português na Ásia. O resto depois é vício.
A moderna história da corrupção em Portugal, tal como antes, tem também razões predominantemente políticas e teve como grande oportunidade as reprivatizações.
Para além de gente menos honesta que sempre haverá em todo o lado, mantenho que Portugal é um país de baixa/média corrupção. E dessa, a pequena corrupção é a que mais afeta o cidadão comum. É a perceção de corrupção nas listas de espera dos hospitais e a suspeita de corrupção no fisco e na segurança social que incomoda as pessoas.
A grande corrupção que se tornou discurso ideológico, matéria de judicialização da política e perseguição de figuras públicas nos jornais, tem que ver fundamentalmente com o financiamento dos partidos políticos.
Tive acesso ao maior manancial de documentos sobre o financiamento das campanhas políticas dos primeiros 20 anos desta II República, quando comprei ao Partido Socialista, em 1994, a Imprinter SA, herdeira da CEIG e principal instrumento de financiamento das campanhas do PS e de apoio e emprego aos militantes socialistas em dificuldades.
Passaram 25 anos e todos os principais protagonistas já morreram, pelo que está chegado o momento de começar a investigar o tema, sem os dramatismos dos ‘Fax de Macau’, do ‘caso Melancia’ ou do livro de Rui Mateus da Fundação para as Relações internacionais do PS.
Em Portugal, em muitos casos, confunde-se corrupção com comissão. Os partidos no governo criaram mecanismos de comissionar as empreitadas públicas, não para distorcer a concorrência, mas paga por qualquer um que queira concorrer, como parte do preço. E essa prática, embora não exista em todos os concursos, é mais ou menos generalizada nas grandes empreitada de obras públicas, e corresponde em média a cerca de 4 a 5 % do investimento público, sendo, portanto, falsos os valores divulgados no final do ano passado pelo grupo no Parlamento Europeu dos Verdes/Aliança Livre Europeia.
A corrupção transformou-se num programa político, mas sobretudo serve de discurso ideológico para que grupos de poder informal se ataquem uns aos outros.
Não há partidos políticos inocentes nesta história do financiamento ilegal da democracia, desde as notas ‘lavadas’, depois, nas festas partidárias ou sobre a forma de investimentos em grandes empresas, até às comissões colocadas em fundos ou contas fora do país.
Neste século, o perfil do financiamento dos partidos irá mudar em definitivo, tornando-se muito mais sofisticado, sobretudo no PS.
Estes recursos financiariam as campanhas, mas sobretudo dariam apoio direto aos militantes em dificuldade, quando o partido estivesse na oposição – uma espécie de Misericórdia para militantes.
Já o PSD ou o CDS nunca chegaram a este nível de sofisticação no apoio partidário aos militantes ou no financiamento campanhas e a dita ‘corrupção’ terá sido mais privada e autárquica e menos institucionalizada que no PS, como, aliás, acontece noutras democracias europeias.
Os casos mediáticos trouxeram para a nossa ribalta práticas de assassinato de caráter que caracterizaram sempre esta II República – nisso muito parecida como os assassinatos de políticos da I República – mas, em meu entender, não refletem uma situação generalizada de grave défice ético no Serviço Público em Portugal.
Apesar de um ou outro caso mediático, continuo a achar que Portugal é um país de baixa/média corrupção, como a Alemanha ou a França e muito longe da Arábia Saudita ou da Venezuela, não se justificando, portanto, as propostas partidárias que apenas visam facilitar a condenação sem prova e diminuir os meios de defesa no processo penal, dando mais espaço aos abusos do Estado.
Bem pelo contrário, o que se justifica é um acordo de regime que torne obrigatório o financiamento público em exclusivo da Democracia, das campanhas eleitorais e dos seus instrumentos ideológicos, como os jornais e as televisões, que não podem continuar a viver quase totalmente dependentes do partido hegemónico.