O cavalo de Napoleão e outros animais extraordinários

Marengo, o puro-sangue árabe que acompanhou Napoleão em batalhas famosas como Austerlitz e Waterloo, é um dos protagonistas de Animais que Ficaram para a História. O livro da jornalista Raquel Oliveira e do professor de Filosofia António Lopes reúne 101 exemplos de bichos que merecem não cair no esquecimento – do elefante do general cartaginês…

Um pombo-correio no museu

«Em termos históricos, existem referências aos pombos correio com 4900 anos, no antigo império egípcio. Mas o rei Sargão, da cidade de Acádia, na Mesopotâmia, também os usava; e o grande Gengis Khan montou com eles um sistema de comunicação que ligava a Europa À Ásia.

O pombo-mensageiro é assim uma figura conhecida na história da humanidade, tendo sido usado no contexto de guerra, ou até para transmitir mensagens amorosas. Um pombo-correio bem trinado pode voar até mil quilómetros num dia, a uma velocidade média de 90 quilómetros por hora.

Durante a Primeira Guerra Mundial os americanos já se tinham especializado nesta forma de comunicação, todavia, os alemães também a usavam e, além disso, desenvolveram formas específicas de contramedidas para os pombos inimigos. Recorriam a atiradores muito bem preparados, dispondo alem disso de um autêntico batalhão de águias superiormente adestradas para caçar pombos.

Foi neste contexto que Cher Ami, uma ave admirável, conseguiu fazer um voo que salvou a vida aos 194 sobreviventes situados. O pombo foi largado muito próximo da frente inimiga, e consta que foi atingido logo no início do voo, Mesmo assim, percorreu os 40 quilómetros até ao quartel-general em Verdun nuns preciosos 25 minutos. Gravemente ferido, empapado em sangue, depois de ter perdido um olho e uma pata, conseguiu entregar a mensagem que permitiu conhecer a localização do Batalhão 77, tendo-se procedido de imediato ao resgate. Por causa desse feito, foi o primeiro animal a ganhar a Cruz de Guerra».

O corcel de Napoleão

Consta que o cavalo favorito de Napoleão era um corcel árabe levado do Egipto para França em 1799 e mais tarde batizado Marengo (nome de uma batalha, em 1800, em que o exército francês esmagou as forças austríacas, no Norte de Itália). Mostrando uma coragem e fiabilidade fora de série, Marengo participou nalgumas das mais célebres batalhas das guerras napoleónicas, como Austerlitz e Wagram – tendo sido ferido por oito vezes. O cavalo foi imortalizado pelo pintor oficial Jacques Louis David no célebre quadro Napoleão Atravessando os Alpes, de 1801. Apesar de ter contribuído para a glória militar, o cavalo cinzento também esteve associado à queda do imperador francês, com a sua participação na batalha de Waterloo, na Bélgica, que pôs um ponto final na sua carreira política, em 1815. Marengo «foi capturado e levado para Inglaterra, com ferimentos de guerra, e aí passou os últimos anos de vida». O seu esqueleto encontra-se exposto no National Army Museum, em Londres.

Jumbo, o gigante africano

«Corria o ano de 1861 quando Jumbo foi capturado no Sudão Francês, designação que corresponde ao atual Mali. Esra pequena cria foi comprada por um colecionador de animais selvagens, Johann Schmidt, que o vendeu ao Jardin des Plantes, em Paris. […] A primeira residência do pequeno elefante foi o jardim zoológico francês, onde partilhou a casa com a jovem Alice, uma elefanta. Quanto ao entendimento entre os dois pouco se sabe, mas a verdade é que quando um adoeceu, cerca de três anos depois, o outro seguiu-lhe o exemplo. Sem soluções, e perante a iminência da morte dos animais, muito a contragosto convocou-se um especialista inglês chamado Matthew Scott para observar os animais. Depois de muita observação, este concluiu que só os conseguiria tratar se os levasse para Inglaterra. […] A 26 de junho de 1865, o jovem elefante africano e Alice chegaram ao Royal Zoological Society, onde lhe foi dado o nome pelo qual ficou na história. Graças aos cuidados de Scott, ambos recuperaram, e rapidamente se transformaram na grande atração do espaço entretanto aberto ao público».

Uma girafa em Paris

A 31 de outubro de 1836 desembarcou em Marselha um navio com uma carga no mínimo singular – uma cria de girafa que o governador do Egipto enviou de presente ao rei francês Carlos X. «O barco fora adaptado para transportar o pomposo animal, o que implicou fazer um corte no convés para o animal poder esticar o pescoço. A cria não era acompanhada pela mãe, pelo que, previdentemente, tinha por perto três vacas. As necessárias para garantir os 25 litros de leite que constituíam a sua dose diária. […] Comparativamente ao clima do Sudão, no inverno, Marselha é uma cidade fria. Logo, para proteger Zarafa dessas baixas temperaturas, foi-lhe confecionado um casaco preto com flores de Lys, símbolo da casa real francesa. […]

Feita ao ritmo da esbelta Zarafa, a marcha para a capital transformou-se num autêntico desfile, acompanhado por milhares de pessoas. Cada passagem por uma localidade transformava-se num acontecimento inaudito para pessoas que, na generalidade dos casos, nem imaginavam que tal animal existisse. À frente, a orientar a viagem, estava o diretor do Jardim Botânico, Geoffroy Saint-Hillaire, o mais famoso naturalista francês da época».

Não querendo o animal só para si, Carlos X remeteu-o par o Jardin des Plantes, onde se tornou uma curiosidade que atraiu centenas de milhares de visitantes. «Não faltaram os fãs a estampar imagens da jovem girafa em tecidos e loiças. Também foram produzidos brinquedos para as crianças […]. Originou-se uma moda que inspirou poemas, canções e até joias para as mulheres; estas deram consigo a esticar o cabelo para cima e a exibir o pescoço com mais orgulho».
 

O urso que gostava de álcool e cigarros

Foi nas montanhas do Irão que em 1942 um grupo de soldados polacos, ex-prisioneiros dos russos, recebeu de um rapaz persa um jovem urso em troca de alguma comida. Os homens dirigiam-se para o Líbano, onde iriam reunir-se aos seus camaradas e preparar uma contraofensiva com as forças nazis, e adotaram o animal sem reservas.

«Os homens, longe de casa, pouco sabiam de bebés e muito menos de crias, por isso trataram Wojtek como se fosse um deles. E o urso cresceu entre soldados, sentando-se em redor das suas fogueiras, bebendo como se fosse um deles e partilhando as mesmas tendas militares. Não admira que, nos mais tarde, descrevessem Wojtek como «um soldado que fumava e bebia como um verdadeiro soldado». Bem, fumar não era bem o termo. Na verdade, o urso pardo gostava era de comer cigarros».

Para mais tarde poderem levar o urso consigo, os soldados alistaram-no no exército, «o que lhe deu direito a um nome, uma patente e uma ração». Wojtek participou na tomada de Monte Cassino, uma das mais duras que se travaram em Itália e em 1945 segui para a Escócia, para aguardar a desmobilização juntamente com os seus camaradas. Nunca de lá saiu, terminando os seus dias no jardim zoológico de Edimburgo em 1963.

As pinturas de Congo

Em 2005, um leilão de arte moderna e contemporânea na Bonhams, incluiu, ao lado de obras de Renoir e Andy Warhol, três pinturas de um chimpanzé chamado Congo. «Para surpresa de muitos, as pinturas de Congo foram vendidas por milhares de euros a Howard Kong, um consultor americano».

Quem era este artista, porventura o primeiro não humano?

Nascido em 1954, Congo vivia no Jardim Zoológico de Londres quando foi ‘apadrinhado’ por Desmond Morris, um zoólogo e investigador que produzia filmes para a televisão sobre o comportamento dos animais. «Esta singular relação começou quando um dia, de visita ao Jardim Zoológico de Londres, Desmond Morris decidiu dar um lápis e um cartão ao chimpanzé de dois anos». «Congo não desenhou pessoas ou paisagens, e também ninguém esperava que o fizesse». Mas os seus traços também não eram arbitrários. «Perante os desenvolvimentos, o investigador decidiu passar à fase seguinte, oferecendo-lhe tintas para os seus trabalhos. Congo voltou a surpreender. Neste caso, o quilíbrio das cores eraconseguido através do contraste entre tons fracos e tons fortes. O estilo do artista seria mais tarde classificado pelos críticos como ‘impressionismo lírico abstrato’».

Jim, o cão que sabia tudo
 
«Apesar dos seus enormes dotes como caçador, não foi a capacidade para detetar e recolher codornizes que o tornou famoso na região, e até por toda a América. Um dia, Sam Van Arsdale foi fazer uma caminhada pela floresta com Jim. Como qualquer dono, tinha por hábito ir falando com o animal, pelo que, quando quis descansar, disse-lhe: ‘Quando encontrares a próxima nogueira, descansamos.’ E não é que Jim foi direto à nogueira mais próxima? Pensando que se se tratava de uma coincidência, voltou-se para Jim e disse-lhe: ‘Agora, onde está o carvalho?’. E nem queria acreditar quando Jim se dirigiu para a espécie correta. Usou todas as espécies de árvores de que se lembrava e Jim identificou todas elas na perfeição. […]
 
Jim era a estrela residente do hotel gerido pelo dono e família, onde o cão maravilhava multidões, em sessões com cerca de uma centena de pessoas de cada vez. Os desafios sucediam-se uns atrás dos outros. E tudo parecia estar ao alcance de Jim. Associar hóspedes ao número do quarto, identificar pessoas através da descrição de elementos físicos e até prever o futuro». Um veterinário desconfiado de tais proezas sujeitou a vários testes e ficou convencido: «Ele manifesta um poder oculto que poderá não voltar a aparecer tão cedo noutro cão». «Hoje Jim é o único cão com direito a lápide num cemitério americano.»
 
Lump, o cão que comia à mesa de Picasso
 
Quando o fotógrafo norte-americano David D. Duncan visitou o ateliê de Picasso na companhia do seu dachsund (mais vulgarmente conhecido por ‘salsicha’), em 1957, o pintor sentiu pelo cão uma empatia imediata. O seu dono, percebendo isso, deixou-o ficar. Na famosa villa La Californie, onde o artista vivia e trabalhava, já havia dois animais, uma cabra e um cão de raça boxer. «Todavia, nenhum outro ocupou um lugar tão intenso no coração de Picasso. Não só o cão tinha direito a comer à mesa, ao colo do dono, como tinha acesso incondicional a todas as divisões da casa. Lump está imortalizado em várias telas, nomeadamente, num trabalho que se tornou emblemático na obra de Picasso: a reinterpretação de As Meninas, de Velásquez. Aí, o salsicha, com a sua forma exageradamente alongada, ocupa o lugar do imponente mastim espanhol que domina o canto inferior direito da composição original de Velásquez».