«Aquele que se aplica na vingança mantém vivas as suas feridas».
Francis Bacon
Não é de agora. A instituição parlamentar e os seus membros são há muito tempo mal vistos. Desde a Monarquia à República, os deputados têm tido uma apreciação negativa, superior à de outros órgãos de soberania.
Já assim era quando a atenção do povo, dos cidadãos e da comunicação social não era o que é hoje. E tem sido nos últimos anos. Por culpa de quem? Por responsabilidades partilhadas: dos seus membros, da orgânica e funcionamento do órgão, pela incapacidade de conseguir que se entenda a sua importância, funcionamento e relacionamento interno e externo. E isso no quadro da separação de poderes, onde nem sempre se valorizam e respeitam as diferenças entre as várias funções de soberania (função política, legislativa, administrativa e jurisdicional).
O chamado ‘direito parlamentar’ é complexo e de observância muito específica, sobretudo ao nível do processo jurídico e legislativo, dentro das competências da Assembleia da República (em especial no que respeita à ‘reserva legislativa absoluta’ e à ‘reserva legislativa relativa’, partilhada através dos respetivos atos normativos habilitantes).
É uma matéria que poucos estão interessados em aprofundar e entender. A história parlamentar portuguesa mais recente (sobretudo após a aprovação da Constituição de 1976) atesta-nos o quanto o órgão de soberania Assembleia da Republica tem tido dificuldade em acompanhar e adaptar-se às novas dinâmicas políticas e sociais.
É normalmente, dentre todos os órgãos de soberania (Presidente da República, Governo, Assembleia da República e tribunais), aquele que demora mais tempo a introduzir na sua orgânica, no seu funcionamento e no seu relacionamento (interno e externo) as mudanças necessárias.
Muitas vezes, isso nem acontece por culpa própria – mas por ser um órgão mais solene, mais institucional, mais ‘pesado’. O espaço é exíguo para expender em pormenor o que poderia ser feito para que tal deixe de acontecer – no âmbito de uma reforma do sistema político que inclua uma reforma do sistema eleitoral e uma profunda reforma no sistema dos partidos políticos. E ainda da necessidade de equacionar matérias como o voto eletrónico, o voto obrigatório e a revisão do regime jurídico que define a remuneração dos titulares de cargos políticos.
Bem como para recordar a evolução da organização, do funcionamento e da transparência da Assembleia da República nas últimas quatro décadas. São todas matérias a ter em conta nas discussões que se relacionam com o trabalho dos deputados.
Como também é relevante comparar com o que tem acontecido noutros países, sobretudo aqueles que têm um sistema jurídico-político igual ou semelhante ao português. Pois o Parlamento tem de ser visto e percebido de forma diferente num sistema presidencial, semipresidencial ou parlamentar.
Mesmo sendo injusto e muitas vezes revoltante, é vulgar ouvir dizer que os deputados não trabalham. E quase tudo serve para sustentar essa opinião. Mas afinal, o que é ser-se um bom deputado? É que, infelizmente, não existem indicadores de avaliação consensuais. Até porque há vários fatores em jogo.
Desde logo, as condições de trabalho de cada deputado. Que incluem viatura própria ou viatura oficial (e/ou do Grupo Parlamentar, com motorista); apoio ou não de assessoria de imprensa; apoio ou não de assessoria política e técnica permanente; indicação ou não pelo Grupo Parlamentar para participações em debates; indicação ou não para uso frequente da palavra no plenário ou em comissão; etc.
Há muito trabalho parlamentar que é feito dentro e fora da Assembleia da República e que não é percecionado, conhecido e valorizado. Poder-se-á mesmo dizer que esse trabalho só se percebe que existe e é importante se não for feito com regularidade. Só se percebe a sua importância, a sua falta, se não for realizado.
Mas, mesmo com estas especificidades, faz sentido que se faça um balanço do trabalho efetuado pelos deputados. De forma prática e o mais simples possível. Porque muito do trabalho de caráter mais político não pode ser contabilizado no ranking – assente na maior parte das vezes em critérios quantitativos e não qualitativos.
A bem da Assembleia da República, dos seus membros, de Portugal e dos portugueses, é importante que se faça tudo para que o Parlamento seja um órgão de soberania ativo, participante e garante da boa saúde da democracia participativa.
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