Conta a tradição que, numa longínqua comunidade rural dos Estados Unidos da América (vamos chamar-lhe ‘geringonçacity’), os cidadãos se reuniam, todos os sábados à noite, para assistiram a um espetáculo teatral organizado pela associação cultural da cidade.
Apesar do amadorismo dos intérpretes (produtores, encenadores e atores) estes espetáculos regulares eram muito apreciados pelos espetadores e rendiam, normalmente, aos poderes públicos do local, avultados resultados eleitorais.
Tudo corria, por isso, no melhor dos mundos e nada fazia prever, portanto, naquele fim de sábado calmo, apesar de um calor sufocante mas suportável, que as coisas seriam diferentes.
No fim do primeiro ato já era visível e audível o entusiasmo da assistência, quando um pequeno pormenor veio criar alguma perturbação. Ao fundo do palco, no canto inferior direito do cenário, surgiu uma pequena chama que ameaçava crescer e tomar conta de todo o espaço.
Avisadas, mas tranquilas, as pessoas levantaram-se, ordeiramente, dos seus lugares e procuraram alguma segurança no átrio do edifício, aproveitando para comentar a ocorrência.
Nesse momento surge um homem de elevado porte, desconhecido da população local, que abrindo os braços e fazendo uso de uma voz clara, determinada e poderosa, declarou: calma senhores porque eu sou o Homem do Pífaro.
Perante estas palavras ‘tranquilizadoras’ todos regressaram à sala de espetáculos com o objetivo de assistirem à segunda parte da peça teatral.
Apesar da pequena chama, agora ligeiramente aumentada, se manter de forma constante e comprometedora, o ambiente mantinha-se, razoavelmente, calmo.
A peça representada era boa, os atores, apesar do seu amadorismo, muito convincentes e não seria portanto a ocorrência daquela chama irritante que iria perturbar o lazer da comunidade.
A segunda parte da peça teatral, era igualmente muito agradável e a alegria dos espetadores só era perturbada pelo avolumar progressivo da pequena labareda.
Perto do fim do segundo ato, o cenário que dava sentido à peça, já se tornara um campo de chamas, em, pelo menos, metade da sua superfície.
Os espetadores das primeiras filas começaram a ficar mais inquietos e o seu nervosismo rapidamente se transferiu para a generalidade da sala.
O movimento de fuga tornou-se irreprimível e incontrolado, mas, transpostas as saídas de serviço, apareceu outra vez o mesmo senhor que de forma muito convincente voltou a declarar: calma malta porque eu sou o Homem do Pífaro.
Embora contrariadas, temerosas e muito inquietas, as pessoas regressaram ao teatro para assistir ao terceiro ato, mas mal tiveram tempo de se sentar, pois o incêndio já tomara conta do edifício e o teto desabou com violência tendo como resultado a morte ou danos irreparáveis na totalidade dos participantes.
Moral desta história que fui repescar de forma livre às minhas memórias de infância: aquele senhor afinal não era, ao contrário do que dizia, o Homem do Pífaro.
Não sei com absoluta certeza se a fase que vivemos em Portugal é a fase do ‘homem do pífaro’ mas imagino quem seja o eletricista responsável pelo desastre e quem é o Homem do Pífaro que consegue, (embora com boas intenções) com política de afetos e proximidade, manter quase toda a gente numa preocupante apatia.
O último ‘gate’, o caso das ‘golas inflamáveis’ ou não, pouco importa, possui, em dose equilibrada, todos os ingredientes para caracterizar o que existe hoje de pior na vida pública portuguesa: incompetência, nepotismo, alienação de responsabilidades (parece, afinal, que a culpa é do padeiro) arrogância, impunidade, uso e abuso dos aparelhos partidários para a promoção de fidelidades e negócios e, acima de tudo, indícios de corrupção.
Bom seria que não acordássemos tarde de mais, quando as chamas estiverem em vias de destruir tudo o que somos e queremos ser e, que por causa disso, não reste tempo para fruirmos da ingenuidade do verdadeiro Homem do Pífaro.