O Mediterrâneo como sepultura do humanismo cristão

Às portas da Europa e às portas de África e do Médio Oriente. Por muitos muros que nos separem e nos envergonhem. A solução não é essa. Goste-se ou não

«A segurança e o utilitarismo não podem ser postos acima do humanismo. A deslocação dos refugiados, que está a tornar o Mediterrâneo num cemitério, é feita por empresas. Acho inaceitável».

Adriano Moreira

 

Por estes dias tive a oportunidade de revisitar factos, acontecimentos, protagonistas, causas e consequências da chamada ‘Primavera árabe’, que assolou o Médio Oriente, o norte de África, a bacia do Mediterrâneo ocidental e oriental.

Alguns acontecimentos e protagonistas prenderam-me mais a atenção do que outros. Nomeadamente, uma cimeira no sul da Europa que o então Presidente francês, Nicolas Sarkozy, assumiu como determinante para o futuro democrático de vários países do norte de África. Cimeira que, passados tantos anos, se comprova não ter servido para nada. Nada de nada. Em decisões e em angariação de doadores internacionais.

Passado este tempo, o que temos? Uma Europa desorientada a vários níveis. Quase paralisada. Em matéria de segurança, imigração, asilo e refugiados. E desnorteada na gestão das suas fronteiras, sobretudo a sul e a leste.

Com uma clivagem cada vez maior no seu seio em relação a estas matérias e a outras conexas com elas.

Uma Europa que vive dividida entre o laicismo radical e o islamismo radical. Uma Europa que cada vez mais renega as suas raízes cristãs e o seu património de continente dos direitos humanos. Onde está o ‘farol do mundo’ em razão do humanismo cristão? Sejam as mesquitas, os véus, o Charlie Hebdo, a proibição dos crucifixos nos espaços públicos, as interdições estúpidas de se poderem fazer cerimónias religiosas em determinados locais. Tudo exemplos do radicalismo e extremismo, que capturaram até vários moderados de há uns anos atrás.

Mais uma vez, a História (a História, sempre a História…) para nos recordar, nos fazer sentir e nos ensinar o que é o Mediterrâneo.

O Mediterrâneo das várias margens, dos vários lados, e sobretudo o Mediterrâneo à solta, o profundo, que se transformou numa espécie de sepultura do humanismo cristão. Como Lampedusa. Mas já muito para além de Lampedusa.

Um Mediterrâneo que transporta uma carga negativa para muita gente. Deslocados, imigrantes, refugiados, asilados etc. Com muitos mortos. Muitas pessoas abandonadas por todos. Não são só as ONG, não é só a OIM, não são só as Nações Unidas, não é só a Igreja Católica. É muita gente, da Europa rica e pobre, que não compreende e não gosta que se trave uma guerra de civilizações e de religiões no Mediterrâneo. Às portas da Europa e às portas de África e do Médio Oriente. Por muitos muros que nos separem e nos envergonhem. A solução não é essa. Goste-se ou não. 

Recorde-se Khadafi e outros que nos avisaram. A Líbia (a Somália do Mediterrâneo), a Síria e outros países estão aí para o comprovar. Pelo que se percebe do que se vai ouvindo e lendo, os novos e futuros líderes das instituições europeias vão apostar ainda mais na Europa fortaleza, fechada e securitária. Um erro. Porque nem o ‘efeito papão’ é a solução, nem o ‘efeito chamada’.

Mas enquanto tudo isto se vai passando, certos factos ligadas à religião e à economia da guerra devem fazer-nos pensar. Por exemplo, os países que menos mataram recorrendo à pena de morte são os católicos.

E, no que diz respeito ao negócio mundial das armas, a Arábia Saudita é a campeã de compras, seguida do Egipto, Austrália, Argélia, China, Emirados Árabes Unidos e Iraque. Enquanto os países líderes mundiais da venda de armas são os Estados Unidos da América, a Rússia, a França, a Alemanha, a China e o Reino Unido. Mais palavras para quê?

A não ser para que os europeus não façam com a Argélia e com Marrocos o que fizeram com outros países.

Porque aqueles dois Estados são determinantes para a segurança militar e energética do velho continente europeu. A Argélia, sobretudo para os Estados Unidos da América e para a França, tem sido um baluarte do combate ao terrorismo. No que diz respeito à segurança energética, a Argélia, a entrar em divisões militares, significará a ruptura nos sectores do gás e do petróleo ao nível do fornecimento à Europa, com a consequência de vários países europeus passarem a ficar mais dependentes da Rússia.

 

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