O debate desapareceu, na prática, do espaço público e o confronto de alternativas é impossível, por ausência de propostas políticas credíveis ou incapacidade de os respectivos protagonistas as levaram à discussão.
‘Maioria absoluta’, sim ou não, parece ser o único factor impulsionador que pode levar, ou não, os portugueses à mesa de voto.
Curiosamente e tendo em conta as últimas indicações (eleições europeias e sondagens mais recentes) a proclamada maioria absoluta pode ser obtida desde que, cerca de 20 cidadãos em cada 100 eleitores, estejam disponíveis a votar no partido melhor colocado. Obtido este pecúlio eleitoral, os votos brancos e nulos, a fragmentação de votos flutuantes e, sobretudo, a abstenção, farão o resto do trabalho.
Infelizmente, este previsível cenário preocupa pouca gente em Portugal.
Não preocupa os partidos e os seus dirigentes que continuam, com comportamentos impróprios, a afastarem-se, cada vez mais, dos portugueses, não preocupa os cidadãos que tem vindo a baixar os seus níveis de exigência cívica até níveis inimagináveis e não preocupa os órgãos de comunicação social que tem vindo paulatinamente, (na maior parte das vezes, de forma ingénua) a serem capturados por centrais de (des)informação de grande competência mas, sempre, ao serviço das posições dominantes.
Corremos, pois, o risco de a nossa democracia (ainda liberal) assumir rapidamente um dos traços estruturantes das democracias ditas iliberais, estacionando em níveis mínimos de participação e interesse dos cidadãos relativamente às escolhas políticas.
Só imaginar ou teorizar sobre esta hipótese é, já de si, um verdadeiro pesadelo e torna credível a profecia, que alguns vem fazendo, de que, em menos de uma década, os partidos políticos portugueses, no modelo actual, poderão desaparecer, dando origem a protagonismos extremistas ou outras formas de controlo da vontade dos cidadãos pouco conformes com a essência da convivência democrática, tal como a conhecemos e praticamos.
Estímulos a essa evolução não vão faltando, desde logo através de alguns exemplos que vem do exterior: a desregulaçāo dos equilíbrios do multilateralismo que davam sentido a um mundo civilizado; a incapacidade da União Europeia lidar com o fenómeno do Brexit; a indisfarçavel crise económica, social e política que teima em submergir a Alemanha, verdadeira locomotiva do crescimento económico europeu; as dificuldades progressivas de alguns estados democráticos para lidarem com factores de desagregação étnica e (ou) regional; enfim, a iminência, de se instalar , a curto prazo, num dos mais importantes países da Europa (a Itália) um governo de extrema direita, pouco amigo da solidariedade e da cooperação multilateral, antes defensor acérrimo dos soberanismos e das limitações à liberdade e às garantias dos cidadãos.
Perante estes inputs externos, a contribuição interna para a correção da situação tem sido quase nula e, na maior parte das vezes, prejudicial.
Por exemplo, estabeleceu-se a narrativa de que o PS ganhou as eleições europeias porque os partidos de direita, alinharam numa frente ampla de defesa das reivindicações dos professores. Verdadeiramente ninguém discute se a causa da derrota e, em certo sentido, perda de identidade, resultou deste alinhamento ou foi, antes, consequência do recuo medroso e covarde desses partidos, perante a ameaça, chantagem e ultimatum de que foram vítimas por parte do líder do partido do poder.
Toda a sociedade política portuguesa aceitou, acatou e temeu perante o autêntico golpe constitucional que consistiu em ameaçar o país com a demissão do governo e eventuais eleições antecipadas por um período que não seria superior a dois ou três meses. Neste ambiente de renúncia e conformismo, a comunicação social, ‘condicionada’, teve um papel muito negativo. Claro que ninguém pode afirmar que, com outra atitude, o resultado seria substancialmente diferente, mas uma coisa é certa, não seria substancialmente pior.
Consumado com êxito o primeiro ‘golpe’ ficou o caminho aberto para os seguintes e é isso, precisamente, a que se assiste com a gestão governamental da crise dos combustíveis.
Todos sabem que a greve, em curso, é extremamente impopular, todos viram que os protagonistas sindicais têm défice de bom senso, credibilidade e representatividade, mas quase todos ignoraram (as excepções contam-se pelos dedos das mãos) a perfídia dos representantes do patronato (com destaque para o seu porta-voz) e as habilidades dos membros do governo e do primeiro ministro, que, conduzirão, se tiverem sucesso eleitoral, a uma profunda transformação qualitativa na correlação de forças na sociedade portuguesa, no quadro de uma democracia tutelada pela Constituição.
O segundo e decisivo golpe está assim em marcha. Veremos se em Outubro será alcançada a almejada maioria e, nesse caso, quem beneficiará com ela.