Esta semana, duas crianças foram encontradas a viver numa garagem na Amadora. Não iam à escola e não sabiam ler, nem escrever. Aliás, as gémeas de dez anos não sabiam o que é estar na presença de um professor, ou ter uma aula. E nunca tinham ido à escola, porque nunca foram matriculadas no estabelecimento de ensino. Ao SOL, o Ministério da Educação garantiu que «as duas crianças nunca foram matriculadas no sistema de ensino, nem pelos pais nem por qualquer entidade que as tivesse à sua guarda».
A propósito deste caso, o Ministério da Educação explicou então que só é possível identificar as crianças que não vão à escola se estas estiverem inscritas no sistema de ensino. Ou seja, nos casos em que as crianças, ou jovens, faltam às aulas consecutivamente, ou não são inscritas no ano que lhe pertence. Por exemplo o, se os pais não inscreverem o seu filho no segundo ano de escolaridade, o Ministério Público vai ter acesso, porque, efetivamente, existe um registo.
Ao contrário, se nunca tiver existido qualquer registo, o Ministério da Educação não tem como saber. São crianças que não existem. O SOL questionou a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) sobre o número de crianças identificadas que nunca foram à escola e a resposta foi idêntica à da tutela: «A Comissão Nacional não dispõe do indicador de que necessita».
A única forma de saber quantas crianças existem que nunca frequentaram o sistema de ensino é cruzar os seguintes dados: quantas crianças e jovens existem com idades entre os seis e os 18 anos e quantos estão registados na escola.
Ainda que o ensino seja obrigatório em Portugal, não se sabe, objetivamente, quantas crianças nunca estiveram matriculadas nas escolas.
No ano passado, 312 crianças não foram à escola
Os dados relativos ao relatório da «Avaliação Anual das CPCJ» de 2018 indicam que as comissões de proteção de crianças e jovens identificaram 2422 casos de crianças que faltaram às aulas de forma sistemática. E, aqui, foi possível dar conta destes casos, uma vez que as crianças já se encontravam inscritas no sistema de ensino. O relatório publicado em maio deste ano, refere estes casos como situações que colocam em causa o direito à educação. Só no ano passado, foram acompanhadas 1782 crianças pelo número elevado de faltas – sendo esta a forma mais comum dentro das situações que colocam em causa o direito à educação. A seguir surge o abandono escolar, com 312 casos, o insucesso escolar, com 2316, e por último, estão identificados 67 casos que não são especificados no relatório.
As crianças com idades entre os 15 e os 17 anos são as mais vulneráveis neste tipo de situações de perigo, refere o relatório, com uma percentagem de 58,5% do total. Também as crianças entre os 11 e os 14 representam uma fatia significativa – de 27%. Nesta esfera, os rapazes são os mais afetados, representando 61,7% dos casos.
O direito à educação surge em terceiro lugar no relatório nas situações de perigo mais vezes identificadas pela CPCJ. Em primeiro e em segundo lugar estão casos de negligência – com 43,1% – e casos em que são as próprias crianças e jovens que se colocam em situações de perigo devido ao seu comportamento, sem que os adultos responsáveis intervenham de forma adequada – 18,7%.