PGR analisa responsabilidades em caso das gémeas

Situação já havia sido sinalizada três vezes. Crianças viviam em condições ‘deploráveis’ e sem ‘salubridade no interior de uma garagem’. PGR está a analisar responsabilidades.

No início desta semana, duas crianças, gémeas, de dez anos foram resgatadas pela PSP da Amadora, na Damaia, e consequentemente retiradas aos pais. Os pais são suspeitos de manter as jovens presas numa garagem, sem ir à escola, em condições desumanas e ainda de violência física e psicológica.

No dia 14 de agosto, a PSP da Amadora deteve Mariana Santos e João Dias Moura, de 34 e 51 anos respetivamente, «por serem suspeitos da prática de dois crimes de violência doméstica», cujas vítimas eram as suas duas filhas, que «viviam em condições deploráveis e sem salubridade no interior de uma garagem, andavam mal vestidas e higienizadas, não iam à escola e presenciavam agressões físicas e psicológicas permanentes entre os pais».

Após esta detenção, o casal foi presente no Tribunal de instrução Criminal da Amadora. Seguiu-se um interrogatório judicial, saindo depois em liberdade com termo de identidade e residência aplicados. Já as filhas de 10 anos, foram entregues a uma residência de acolhimento temporário.

O caso acabou por adquirir novos contornos quando se veio a saber que a situação das gémeas estava sinalizada pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) há já seis anos, enquanto o Ministério Público (MP) tinha conhecimento da mesma desde 2016.

Tendo isso em conta, a CPCJ da Amadora esclareceu que há seis anos, em 2013, recebeu  «uma sinalização relativa às duas crianças por exposição a situação de violência doméstica, tendo a mãe e as crianças sido alvo de medida preventiva, com o afastamento das mesmas da situação de perigo e o consequente arquivamento do processo de promoção e proteção».

Mais tarde, em 2016, a CPCJ recebeu um outro alerta relativo a episódios de violência doméstica neste núcleo familiar. Aí, o caso foi remetido para o Ministério Público, que tentou localizar esta família em 2017, recorrendo à PSP, Segurança Social e à Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEST). Contudo, o «desconhecimento do paradeiro dos pais», não permitiu localizar as jovens e levou a que não fosse aberto qualquer inquérito.

Em declarações ao SOL, um comerciante local próximo de João, conta que, em 2016, esta família viu a sua antiga casa, localizada mesmo à frente desta garagem, totalmente demolida e que foi um senhor que ali morava que «ficou com pena dele e lhe deu a garagem para eles morarem».

 Esta mudança para o outro lado da estrada, terá sido o suficiente para que as autoridades não os conseguissem localizar aquando dessas denúncias.

Em julho deste ano, uma denúncia anónima realizada para a linha SOS-Criança, permitiu que o MP localizasse as jovens e instaurasse de imediato um processo judicial de promoção e proteção das crianças, fazendo com que estas fossem, assim, retiradas dos pais e dessa garagem.

No âmbito deste processo-crime foi instaurado um inquérito – que não foi possível no passado por não ser possível localizar as jovens – que pode resultar num arquivamento ou numa acusação em tribunal. A retirada das meninas foi decidida enquanto medida cautelar.

Quem entra na rua da Estrada Militar, na Damaia, concelho da Amadora, é desde logo confrontado com aquilo que os moradores apelidam de «cemitério de carros». São vários os automóveis avariados que são deixados nessa rua. Chegando à famosa garagem onde alguns vizinhos afirmam «que as miúdas estavam sempre fechadas na altura da escola», somos deparados por um portão de garagem azul e uma porta menor, da mesma cor. A habitação desta família tem à entrada um antigo toldo de café, bastante gasto e em más condições. Para além do carro fora de serviço que se encontra à porta da garagem, os cães e gatos da família também por ali passeiam.

Ao entrar na garagem, onde viviam «para não dormir debaixo da ponte», segundo João Dias Moura, há vário lixo acumulado, roupa amontoada, baratas a vaguear pelo espaço e não há uma casa de banho.

Os vizinhos desta família contam ao SOL que as gémeas tinham muito pouco contacto com outras crianças e que só agora, na altura das férias, andavam mais «para cima e para baixo na rua, mas sempre as duas juntas».

João dias Moura confessa ao SOL que têm falado com as filhas todos os dias e que estão bem. «Só posso falar com elas uma vez por dia, mas posso demorar o tempo que precisar». Conta ainda que estas «fartam-se de chorar, porque querem vir para o pé dos pais. Percebem o que se passa, já têm 10 anos. Não foram à escola, mas são inteligentes».

Quando questionados sobre o porquê de as filhas nunca terem sido inscritas na escola ao longo dos últimos três anos, os pais justificaram-se pela «falta de documentação», uma vez que estas não teriam Cartão de Cidadão. Contudo, em declarações ao SOL, João Dias Moura conta que estas possuem «cédulas de nascimento, que até estão na Casa da Misericórdia, onde as fui inscrever quando fizeram seis anos. Ainda estão lá porque não as fui entretanto buscar».

Ambos os pais confessam que, apesar das dificuldades em inscrever as suas filhas, deveriam ter insistido mais nesse processo e que aí sim, estiveram mal.

O pai das crianças explica que toda esta situação surgiu como uma bola de neve. «Começou a existir cada vez mais problemas desde que deitaram a minha casa antiga abaixo. Foi há três anos. Fiquei sem ferramentas, sem roupas, sem eletrodomésticos. Fiquei sem nada. Foi tudo esmagado. Nunca me ofereceram nada como auxílio. Fiz queixa até ao Provedor de Justiça, que me respondeu e direcionou para a Câmara. Ainda está em andamento».

Mariana e João desde logo queixaram-se da falta de resposta por parte das autoridades aos pedidos de ajuda que dizem ter feito. Contudo, a Câmara da Amadora garantiu «nunca ter existido na autarquia qualquer pedido de apoio/intervenção por parte da família e que não existe qualquer candidatura à atribuição de habitação municipal».

Os vizinhos de João e Mariana confirmam que estes são toxicodependentes e que o pai das crianças tem cadastro, mas descrevem o homem de 51 anos como alguém «honesto», «super humilde», «um excelente eletricista de carros» e alguém que «apesar da sua toxicodependência, merece ter uma ajuda».

Conta quem via a família todos os dias que as irmãs sempre foram «muito simpáticas e super educadas» e que esta «situação só as irá fragilizar no futuro». Para quem coabita com esta família desde que chegaram à zona, «estão só a criar-lhes dificuldades. Um lar. A separar amor, carinho e amizade».

Já a Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou que está neste momento a realizar uma investigação interna  para tentar apurar responsabilidades relativamente a esta situação.

O caso encontra-se neste momento em segredo de Justiça e o MP instaurou um inquérito crime para investigar factos suscetíveis de se tratar de um caso de violência doméstica.

Em comunicado, a PGR revela estar a recolher «elementos que permitam analisar e avaliar os procedimentos desencadeados no âmbito deste caso e respetiva adequação, atentos os factos e circunstâncias em que se desenvolveram».

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