Problemas nos transportes, falta de combustível e de medicamentos, supermercados sem comida. O quadro ‘negro’ pintado no estudo secreto desenvolvido pelo Governo britânico sobre a saída do Reino Unido da União Europeia deixou muitos ingleses assustados. O Executivo já veio dizer que este relatório é antigo, mas ainda assim, mostra que as autoridades colocaram em cima da mesa a hipótese de o Reino Unido viver tempos dramáticos. Especialista ouvido pelo SOL considera que, tendo em conta as medidas mitigadoras implementadas pela União Europeia, o documento é alarmista.
«São projeções antigas», garantiu à BBC Michael Gove, ministro responsável pela pasta do Brexit. O responsável disse que as «suposições» que constam nos documentos da Operação Yellowhammer – divulgados pelo Sunday Times – foram pensadas durante a liderança de Theresa May. «Temos um novo Governo e com este novo Executivo temos dado pequenos passos de forma a ter a certeza que estamos preparados para sair a 31 de outubro», data acordada entre os líderes europeus, em abril.
De qualquer forma, o documento caiu que nem uma bomba no Reino Unido e rapidamente tornou-se viral em todo o mundo. De acordo com o relatório, as condições que os britânicos teriam de enfrentar após o Brexit assemelhavam-se aos desafios que muitos povos de países em desenvolvimento têm de enfrentar.
A falta de alimentos frescos foi dos problemas mais graves apontados no relatório. E o cenário não é animador: o fornecimento de alguns alimentos frescos iria descer drasticamente. O embalamento dos alimentos e o acesso a determinados ingredientes também poderia estar comprometido. Não iria faltar comida no Reino Unido, mas a redução de escolha e de produtos disponíveis levaria ao aumento dos preços, o que afetaria alguns grupos mais vulneráveis da população. Além disso, o primeiro impacto seria durante a época natalícia: «A cadeia agroalimentar estará sob crescente pressão nesta altura devido aos preparativos para o Natal, que é a época mais movimentada para os retalhistas».
Outra questão foi o acesso a medicamentos: o relatório alerta ainda para a possibilidade de os britânicos terem dificuldade em comprar medicamentos básicos, como a insulina. E a espera por este tipo de medicamentos poderia durar até seis meses.
O documento fala também sobre outras questões, como, por exemplo, a falta de combustível, o encerramento de refinarias de petróleo e, consequentemente, o desemprego de, pelo menos, duas mil pessoas. Os efeitos não ficaria por aqui. Poderia levar ao cancelamento de vários voos entre o Reino Unido e os países da União Europeia, caos nos portos e a criação de uma «hard border» na Irlanda. Face a este cenário, a Operação Yellowhammer prevê vários protestos nas ruas de Inglaterra.
Cenário alarmista ou realista? Mário Martins, senior business development manager da ActivTrades, uma das mais antigas corretoras online da Europa, explicou ao SOL que este documento foi preparado tendo em conta uma saída do Reino Unido sem acordo e «supondo que, do lado da União Europeia, não seriam tomadas quaisquer medidas mitigadoras, fazendo com que o Reino Unido fosse, de imediato, considerado pela União Europeia como um país terceiro». Neste cenário, o analista admite que as conclusões são «completamente realistas».
Uma hipótese que está, no entanto, afastada pelo analista ao lembrar que a União Europeia tem vindo a tomar diversas medidas mitigadoras de uma eventual saída do Reino Unido da União Europeia sem acordo. E dá como exemplo, «a confirmação de que não haverá nenhuma modificação nos atuais controlos fronteiriços até 31 de dezembro de 2020», acrescentando ainda que «o documento Yellowhammer descarta eventuais medidas mitigadoras tomadas pela União Europeia (o que faz sentido, uma vez que o governo não pode estar a contar com medidas tomadas por outros)», explica o especialista ao SOL. E não tem dúvidas: «Atendendo ao facto de que a União Europeia irá tentar, ao máximo, evitar que uma possível saída do Reino Unido sem acordo tenha um efeito muito negativo na economia e, como tal, o documento é alarmista».
Mário Martins explica que é difícil identificar futuros problemas, uma vez que nunca nenhum país saiu da União Europeia. No entanto, acredita que é possível colocar alguns cenários em cima da mesa: «Uma queda acentuada da libra irá provocar uma subida imediata dos preços, mas, se forem abolidas taxas de importação, este efeito será negado. De acordo com os economistas que defendem o Brexit, os efeitos mais devastadores serão sentidos pelos setores de manufatura e agricultura, com quedas do PIB superiores a 16% nas regiões mais dependentes destes mesmos setores».
Mas mesmo que este cenário catastrófico se confirmasse, o analista da ActiveTrades lembra que «o Reino Unido não só tem capacidade económica, como capacidade de endividamento». No entanto, garante que a nível regional, a situação seria mais complicada, «sendo previsível um choque económico equivalente ao provocado por Margaret Tatcher quando liberalizou a economia nos anos 70 e 80. Tal como nessa altura, os efeitos positivos e negativos de uma saída sem acordo só serão visíveis anos ou décadas depois».
Reino Unido sai, com ou sem acordo, diz Johnson 31 de outubro é o prazo estabelecido para o Brexit e os líderes europeus andam às voltas para saber qual será a melhor solução para um possível acordo (ou nenhum).
Depois de terem surgido várias notícias na imprensa internacional que davam conta de que o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, teria convencido os líderes da Alemanha e França a mudarem a sua posição, a Comissão Europeia veio pronunciar-se sobre o assunto. «A posição da Comissão, quando se trata de questões sobre o Brexit, é bem conhecida e continua a ser uma posição unida e singular», garantiu uma porta-voz da Comissão Europeia citada pela Reuters. A mesma fonte garante que Bruxelas está pronta para se envolver «construtivamente» com o Reino Unido «em quaisquer propostas concretas que sejam compatíveis com o acordo de saída».
A posição surge depois das reuniões de Boris Johnson com o presidente francês, Emmanuel Macron e a chanceler alemã, Angela Merkel.
No que diz respeito à saída do Reino Unido da União Europeia, o presidente francês é perentório e defende que é tarde demais para um novo acordo. «Quero ser muito claro: no mês que se segue não vamos encontrar um novo acordo de saída que se desvie muito do original», disse. «Se há coisas no quadro em que Michel Barnier negociou que podem ser ajustadas e que estão em conformidade com dois objetivos que citei – estabilidade na Irlanda e integridade do mercado único – temos de as encontrar no próximo mês», acrescentou. E foi mais longe: «Caso contrário, isso significará que o problema é mais profundo, que é um problema político britânico e, se assim for, não é a negociação que o pode resolver, mas sim a escolha política que o primeiro-ministro terá de tomar. Não nos cabe a nós fazê-lo», alertou.
Já a chanceler alemã é mais otimista no que diz respeito ao acordo e até Johnson garante ter saído da reunião «fortemente encorajado».
«O que se pode fazer em dois ou três anos também pode ser feito em 30 dias. Dito de outra maneira, pode ser feito até 31 de outubro». Mas ao que parece as palavras de Merkel foram mal interpretadas e foram motivo para que viesse a público esclarecê-las. A chanceler explicou que a sua expressão não era literal, mas apenas «uma imagem» com o objetivo de mostrar ao Reino Unido que é possível chegar a uma solução «num curto período de tempo».
Apesar de todas as conversações, o primeiro-ministro britânico acredita que 30 dias são suficientes para encontrar soluções positivas para a saída do Reino Unido da União Europeia e mostra-se irredutível: no seu entender, o Brexit vai mesmo acontecer a 31 de outubro, com ou sem acordo.
O que é certo é que o Governo português já veio recomendar que «será recomendável que os cidadãos portugueses viajem na posse de passaporte válido» a partir do dia 1 de novembro.