A fragata Medusa partiu de Rochefort a 17 de junho de 1816 na companhia de três navios. Levava a bordo o novo governador do Senegal, que acabava de passar para jurisdição francesa. «O comando foi entregue ao senhor Duroys de Chaumareys […]. À sua ignorância juntava-se, por outro lado, um espírito leviano e um egoísmo que o fez faltar a todas as suas obrigações», escreveram Zurcher e Margollé em Naufrágios Célebres (ed. Inquérito), de acordo com os relatos de dois sobreviventes.
Mais lesta que o resto da frota, a Medusa deixou os outros navios para trás. Encalhou ao largo da Mauritânia a 4 de junho, quanto eram distribuídas amêndoas a bordo, um ritual de batismo para quem atravessava pela primeira vez os trópicos. «Foi durante estas brincadeiras, que duraram três horas, que podemos chamar de mortais, que tudo sucedeu. O senhor de Chaumareys presidia a esta farsa». Face ao contratempo, «o governador do Senegal forneceu instruções para a construção de uma jangada que ele acreditava poder transportar 200 homens com víveres», uma vez que «as seis embarcações a bordo foram julgadas incapazes de suportar os 400 homens presentes».
A maior parte destes 400 homens foram distribuídos pelos escaleres e pela chalupa, aos quais a jangada foi amarrada. Mas tornando-se esta um peso incómodo, acabaram por soltar as amarras e deixá-la entregue à sua sorte, com perto de 150 pessoas a bordo.
«Os náufragos encontravam-se tão apertados uns contra os outros que era-lhes quase impossível remar. Muitos deles tinham uma grande parte do corpo dentro de água. […] Ninguém orientara o abastecimento, em resultado disso encontraram apenas um saco contendo 25 libras de biscoitos, contudo o saco tinha-se molhado e os biscoitos ficaram reduzidos a uma pasta. A fome era inevitável. Para beber tinham apenas seis barricas de vinho e duas pequenas pipas de água. […] Chegou-se calmamente à noite que se tornou assustadora, pois o vento aumentou muito de intensidade. Cada vez que as ondas levantavam uma das extremidades da jangada, os passageiros caíam uns por cima dos outros e ouviam-se, sem cessar, gritos de desespero. Quando o dia nasceu, verificámos que cerca de vinte homens haviam desaparecido».
«Os soldados e os marinheiros, sentindo-se perdidos, começaram a beber excessivamente. Furiosos, gritavam que os queriam trair, que era preciso morrerem todos juntos e tentaram, de facto, destruir a jangada cortando as amarrações. […] Um combate terrível teve então lugar, com golpes de machado, sabres, baionetas e facas. […] Aos primeiros sinais de dia, constatou-se que mais de 60 homens haviam morrido». Começaram aí os atos de canibalismo. Às tantas, «desprezámos de tal forma a vida que muitos de nós não temiam tomar banho quando se avistavam tubarões».
Quando só 15 náufragos pareciam ter alguma hipótese de sobrevivência, os moribundos foram lançados ao mar. No dia 17 de manhã avistaram um ponto ao longe. «A visão desta embarcação espalhou entre nós uma alegria difícil de descrever». Mas logo se abateu sobre eles a dúvida e a desilusão – o navio parecia afastar-se. «Para acalmar o nosso desespero procurámos algum consolo no sono». Passaram duas horas de incerteza e de tormento no interior de uma espécie de tenda montada em cima dos troncos. Até que um homem pôs a cabeça de fora e gritou de alegria ao ver o brigue ao lado da jangada. Estavam salvos.
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