Passamos a vida a dizer mal do sistema partidário, a queixarmo-nos dos partidos que temos, dos clientelismos, dos lóbis corporativos, dos caciquismos, dos dinossauros, dos amiguismos, dos elos familiares entre uns e outros… e por aí fora.
Mas, tirando fenómenos como o BE, nascido da fusão da UDP e do PSR com o novel Política XXI, na viragem do século e do milénio, e, mais recentemente, do PAN – partido que a coberto da tão na moda defesa dos animais e do meio ambiente vem-se afirmando no espetro partidário nacional – e epifenómenos como o MPT com Marinho Pinto (que por um acaso consegue de repente eleger dois eurodeputados e desaparece quase no momento, ou eleição, seguinte), muito poucos ligam ou dão voz aos chamados pequenos partidos.
É um facto.
Por isso, não é de estranhar a ocupação das instalações da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) por meia centena de indefetíveis apoiantes do Aliança, liderados por Santana Lopes.
Santana sempre foi um protagonista dos palcos mediáticos. Desde o início dos anos 80 do século XX que é um dos atores da democracia portuguesa, fez parte da Nova Esperança com Marcelo Rebelo de Sousa, José Miguel Júdice e Durão Barroso, foi o enfant terrible do PPD-PSD nos anos 90, chegou a líder do partido e a primeiro-ministro na primeira década de 2000. Depois, andou por aqui, como comentador do SOL, e a seguir por aí, na TVI, no CM, na CMTV, na SIC, na RTP. Voltou a concorrer à liderança do PSD – perdendo com Rui Rio – e acabou a concretizar uma ameaça que já vinha fazendo há décadas: criar um novo partido.
A verdade é que, até agora, as coisas não lhe têm corrido melhor do que correram a Manuel Monteiro quando este deixou o CDS-PP para fazer o partido Nova Democracia.
Já se percebeu que o eleitorado não gosta muito de líderes que, apeados do poder, abandonam os seus partidos tradicionais para criarem novos poisos. Melhor fariam se se mantivessem firmes nos seus partidos de sempre, com a sabedoria e a paciência de saberem esperar por um novo tempo ou resignando-se ao reconhecimento de que o tempo deles, simplesmente, passou.
Mas isso é uma coisa, outra é o quase silêncio a que a comunicação social quase condena os pequenos partidos, com exceção do BE e do PAN, que por isso deixaram de o ser (pequenos partidos).
Tanto assim que só mesmo o jornal i deu capa à ocupação da ERC por Santana e seus seguidores.
Aliás, assim de repente e nos últimos tempos, recordo-me de destaques de primeira página do SOL e do i ao regresso de Santana à estrada depois do acidente (com uma foto numa moto) e às semanas temáticas do Aliança; de uma entrevista à cabeça de lista do Livre por Lisboa, Joacine Moreira; do convite de Marinho e Pinto a Pardal Henriques para concorrer pelo PDRnas próximas legislativas; da candidatura de André Ventura, do Chega!, às presidenciais de 2021; do dirigente que trocou o PAN pelo partido Iniciativa Liberal.
Quando, em maio, em plena campanha eleitoral para as europeias, Santana Lopes sofreu um aparatoso despiste na A1, jornais de referência houve que não dedicaram uma linha, uma única, ao acidente que envolveu o ex-primeiro-ministro e o cabeça de lista do Aliança a essas eleições para o Parlamento Europeu. Certamente porque a sua direção terá entendido que dar notícia do acidente seria beneficiar a campanha daquele partido.
Imagine-se se Pedro Marques (PS), Paulo Rangel (PSD), Marisa Matias (BE), Nuno Melo (CDS) ou João Ferreira (PCP) têm tido o mesmo azar… ou António Costa, Rui Rio, Catarina Martins, Assunção Cristas ou Jerónimo de Sousa. Também ignorariam?
António Costa tem muita razão quando diz que o BE vive dos media e preocupado com a agenda mediática e com as notícias do meio-dia, do final da tarde ou do dia seguinte.
Porque é verdade e foi isso que a UDP e o PSR aprenderam com a Política XXI e souberam capitalizar desde então e até hoje.
Como também é verdade que Costa, ele próprio, beneficia do mesmo fator de simpatia e até cumplicidade da classe jornalística e das redações de media em geral.
Desde logo por ser filho de quem é e particularmente de uma jornalista interventiva como Maria Antónia Palla, que colhe admiração da classe jornalística do seu tempo e de gerações seguintes.
Depois, por ser de esquerda.
Se não fosse de esquerda, jamais poderia ser líder partidário e primeiro-ministro e escapar entre os pingos da chuva ao facto de ter um meio-irmão diretor geral de informação de um dos dois grandes grupos de comunicação social do país e uma ‘prima emprestada’ (sobrinha do padrasto) diretora de informação da televisão pública nomeada pela administração escolhida pelo seu Governo.
Não está em causa – as carreiras de ambos falam por si – o brio profissional e as extraordinárias qualidades e capacidades tanto de Ricardo Costa (que até entregou carta de demissão de diretor do Expresso quando o meio-irmão ascendeu à liderança do PS), como de Maria Flor Pedroso (cujo percurso profissional nunca dependeu nem do tio nem muito menos do ‘primo emprestado’); mas se António Costa calha a ter enveredado por um partido de centro-direita e se se dessem essas mesmas ‘coincidências’ é certo e sabido que logo caía o Carmo e a Trindade.
Esse é um problema da comunicação social portuguesa e da democracia que temos.
Fortes e implacáveis com os fracos, desgraçados ou caídos em desgraça (aí, quanto mais fortes pior). E submissos ou cúmplices com os mais fortes, engraçados ou caídos nas suas graças.
Mas, sempre, procurando silenciar ou tentando marginalizar quem não faz parte do sistema nem se acomoda, antes pelo contrário. E ai de quem ouse pô-los em causa.