Não gosto de falar ou escrever sobre meios de comunicação social e muito menos sobre antigos colegas de profissão, mas o que se tem passado nas últimas semanas tem ultrapassado o que, acho, ser aceitável. A este propósito, diga-se, António Barreto já abordou o assunto numa crónica do Público de uma forma muito direta: «Os canais de televisão têm sido isentos? Não. Favoreceram os partidos parlamentares, para lá do razoável. Favoreceram o partido do Governo e as suas muletas». Mais claro é difícil.
Não é que, em alguns casos, esteja em causa a honestidade dos comentadores escolhidos, mas a televisão pública tem uma obrigação acrescida sobre a pluralidade dos seus comentadores. Convidar para comentar um debate, onde esteve o líder do PS, a diretora e o administrador da Lusa, ambos nomeados pelo Governo – figuras pelas quais tenho respeito –, Pedro Adão e Silva, ex-dirigente nacional do PS, e uma professora universitária parece-me uma opção, no mínimo, discutível. Como disse, não está em causa o nomes das pessoas, mas levar duas que foram nomeadas pelo Governo e um militante do partido parece-me demais.
Mas as opções da RTP nos últimos tempos deixam muito a desejar. Maria Flor Pedroso, diretora do canal público, sendo familiar ou pessoa próxima de António Costa – cresceram juntos como é sabido – devia mostrar uma distância mais saudável em relação ao poder. Veja-se o que se passou com o caso de Tancos. Na terça-feira à noite a TVI avançou com o caso do «papagaio-mor do reino», expressão usada e apanhada nas escutas de Vasco Brazão, porta-voz da PJM, para a irmã, como sendo uma referência a Marcelo Rebelo de Sousa, que estaria a par de toda a farsa do assalto aos paióis de Tancos.
Um dia depois, o jornal i avançou com a notícia de que o ex-chefe da Casa Militar de Marcelo sabia de tudo e mentiu, já que o Ministério Público tinha apanhado chamadas telefónicas e SMS entre João Cordeiro e o ex-diretor da PJM, que o comprovam. E o que fez a RTP? Praticamente nada, apesar de uma jornalista sua ter sido a autora de uma peça de 3 de novembro de 2018 que dava conta precisamente do que está nas conclusões do Ministério Público. O principal canal da televisão pública nunca reproduziu essa peça, além de ter chutado a jornalista para uma pequena intervenção na RTP3. Isto é normal? Levam figuras e figurinhas simpáticas para comentar o caso e não chamam a jornalista que deu a notícia há quase um ano?
Tudo isto é muito estranho e agrava-se ainda mais quando se diz nos corredores que Vítor Gonçalves terá sido corrido da direção da RTP precisamente na sequência da emissão da reportagem de 3 de novembro de 2018. Que todos os governos querem controlar a informação é do conhecimento geral, mas que jornalistas com o nome feito se sujeitem a agradar ao dono – independentemente de este o ter pedido ou não – é lamentável. António Costa até pode não ter culpa nenhuma disto, mas é sabido que se na RTP está a sua prima à frente dos destinos do canal, na SIC está o seu irmão – pessoa por quem tenho estima e amizade. Mas que ao tirar do ar o programa de Manuela Moura Guedes – uma jornalista sem travões – também não fica bem na fotografia. Mas, diga-se, a SIC no caso de Tancos portou-se muito bem e teve jornalistas assertivos que tiveram o espaço de liberdade que qualquer meio de informação plural tem.