Prosseguindo as reflexões semanais a que me propus, salientarei que potencialmente a informação é um dever, a publicidade um direito, a propaganda um abuso. Esta abre as portas à demagogia das falsas promessas e considerações. Manipula a credulidade do destinatário, sendo certo que há quem goste de ser bem enganado. O sucesso do ilusionista assenta aí. O público sabe que está a ser alvo do logro, mas quanto mais difícil lhe resulta perceber como, mais aplaude. António Costa na sua idiossincrasia gostará de saber, que o reconheço como o melhor mágico do cenário político português, ultrapassando, na arte do fazer de conta, quantos rivais de cariz guterrista, futuros socráticos ou não, o acompanharam há anos no êxito de substituir no PS a ética cavalheiresca de Jorge Sampaio. Rasteira atrás de rasteira, ainda hoje me doem as canelas.
O atual primeiro-ministro já era um desembaraçado demagogo, mas a parceria, durante quatro anos, com o BE aperfeiçoou a ávida enunciação de quantas necessidades e aspirações se lembrem, para segundo as melhores regras do marketing político as transformar em objetivos, sem cuidar das possibilidades de os materializar sem as graves sequelas da irresponsabilidade e do despesismo. A isso a CDU não se opôs, fiel à incongruência dos comunistas serem austeros quando governam, mas reivindicativos quando tal não ocorre. Os dirigentes da Intersindical seriam silenciados na União Soviética.
Hoje, o PS configura-se favorito nas sondagens. Isso obriga a refletir sobre as consequências da sua vitória em tempos que não se apresentam propícios a fantasias. A ciência económica demonstra que a ciclos de bonança, se seguem os de desaceleração. Assim José, filho do patriarca Jacob, o explicou ao atónito faraó e Isopo imortalizou na fábula da formiga prudente e da cigarra foleira. Com a transformação da ‘geringonça’ numa frente popular, a ala radical do PS ganharia predominância em amoroso convívio com o BE. Despesismo, amiguismo, disputa de quem mais reivindicasse. A par disto, as aspirações a Belém de Costa, a que adiante me voltarei a referir, acarretariam um progressivo desgaste do Presidente da República, que uma campanha bem orquestrada transformaria de bem amado, no alvo de criticas a uma política de excessivo protagonismo e dispendiosos gastos. A ascensão de Pedro Nuno Santos a delfim, relegaria Centeno para o BdP, Santos Silva para uma embaixada, Fernando Medina para lugar no governo por forma a silenciá-lo como ocorreu com Galamba. Elisa Ferreira seria considerada uma ‘lusitana traidora’ quando exigisse austeridade em nome da UE. O socratismo, que é muito mais do que o Zé, viria à luz do dia.
Nada disto parece irrealista, nem deixará de agradar a muitos que o leiam. Há duas opções, em muitos aspetos contraditórias, a ter presente nas eleições legislativas de 6 de outubro. Respeitem-se os objetivos, mas ponderem-se os efeitos. Para tanto, não se torna necessário recorrer a sofisticados cálculos no campo da futurologia. Basta o senso comum. Uma sociedade liberal proporciona investimento, dinamização do mercado de emprego, meritocracia, participação e oportunidade. Sejamos francos: o leitor preferiria investir na Grécia ou na Irlanda? Daí que a conceção sócio-liberal seduza o criador de riqueza, embora se deva sempre ter presente a necessidade de controlar a tendência liberal para endeusar o sucesso, descuidando o apoio aos desfavorecidos.
Agora que a social democracia deixou de poder nortear o desenvolvimento, dada a sua incompatibilidade com o regime de mercado aberto global, o PSD tem de se orientar para o mencionado social liberalismo. Todavia, para ser eficaz, o seu líder não poderá espartilhar as diversas sensibilidades no utópico objetivo de dirigir com maior comodidade. Sá Carneiro, tal como no PS Mário Soares, concebeu uma formação política de grande espetro. Perdoe-se-me a imagem mas num caso como noutro tratava-se de aves de grande envergadura, o que lhes permitiu voar sobre as ruínas do PREC. Confio que, a partir de janeiro de 2020, regresse o PSD à linha de Passos Coelho, que merece ser recordado pela sua corajosa prestação durante o período de autêntica salvação nacional, sendo de prever o seu oportuno regresso à atividade política. Conheço bem o previsível sucessor de Rui Rio, salientando o traquejo político e parlamentar, para além do seu cariz mobilizador.
Contudo, se desejarmos opor à frente popular as bases do desenvolvimento sustentado, articulando economia com justiça, educação, cultura, equipamento, saúde e política social, pondo as finanças ao serviço do todo, então o PSD deverá disponibilizar-se a figurar, como peça essencial embora, num vasto e dinâmico movimento liberal, onde terá lugar de crescente importância a Iniciativa Liberal e muitos militantes do CDS de conceção próxima. Movimento este com maioritária aceitação junto dos países da UE, estímulo para o diálogo com os EUA/Reino Unido (intervenientes fundamentais da NATO) e Brasil (principal expressão internacional da CPLP). Uma palavra especial para o papel do sócio-liberalismo na defesa do ambiente, pela estruturação de economias verde e azul, retirando o tema à esquizofrenia esquerdista de soluções fraturantes, seja a pensar nos homens, seja nos animais.
O cosmopolitismo inerente ao mercado global, à livre concorrência, à conjugação entre Estado e sociedade civil, à prática do concurso público e da avaliação profissional tem a grande vantagem de evitar a sobranceria e o autoritarismo. Contudo, muitos amigos e interlocutores meus veem em António Costa um político capaz de harmonizar soluções extremadas, fazendo convergir o comportamento reivindicativo da esquerda radical com austeridade financeira. Diria com ironia: compatibilizar Cunhal com Salazar num milagre das rosas.
Daí que se afigure a propensão de alguns eleitores do centro a votar desta vez no PS confiando assegurar-lhe a maioria absoluta. Só que isso não retiraria a força sempre latente da frente popular na medida em que o BE e a CDU mais reivindicativos seriam junto do Governo forçando a aliança natural com o setor socialista mais radical. A ‘geringonça’ criou hábitos, estabeleceu parcerias, ganhou cumplicidades. António Costa, pelo contrário, sentir-se-ia entalado entre aspirações e exigências, lembrando-se que um seu homónimo teve de sair cambaleante do pântano, que não conseguiu evitar. Fugiu deixando pendurados os seus correligionários como Costa foi de férias durante o drama de Pedrógão. São como são. Belém seria para um, o que a ONU foi para outro.
Sinceramente, creio que neste final do mês de setembro, tal como ocorreu em 1968 com a ascensão ao poder de Marcello Caetano e em 1974 com a renúncia de António de Spínola, estamos, uma vez mais, com o Futuro ao virar da esquina. Não desperdicemos o voto em hipóteses inverosímeis, mas para os militantes do PSD e do CDS perplexos ou amuados com as respetivas direções, seria aconselhável optar, como eu vou fazer, pela Iniciativa Liberal como elemento estruturante do imprescindível Movimento Liberal a arrancar nos inícios de 2020. Ficar em casa é que não! Face à opção entre as duas hipóteses à escolha, ou seja Frente Popular ou Movimento Liberal, sinto-me rejuvenescer como antigo promotor da Ala Liberal de 1968 a 74, dado do meu curriculum que Mário Soares sempre soube respeitar, enquanto democrata e inteligente.
Por Joaquim Silva Pinto, resiliente militante do envelhecimento ativo