Depois da tempestade vem a bonança. O ditado aplicado à Academia Sueca, mais propriamente ao Nobel da Literatura, pode ser traduzido assim: depois do escândalo sexual e financeiro – razão pela qual, no ano passado, não foi atribuída nenhuma distinção neste campo – não veio apenas um, mas dois prémios. A Academia anunciou na quinta-feira que a escritora polaca Olga Tokarczuk era a galardoada de 2018. Já o austríaco Peter Handke foi laureado com o Nobel de 2019 – e, com isso, a polémica deste ano é outra. Lá iremos.
O júri considerou que a polaca de 57 anos tem «uma narrativa imaginativa que, com a sua paixão enciclopédica, representa a travessia das fronteiras como uma forma de viver», e que o trabalho do austríaco de 76 anos «com a sua ingenuidade linguística explorou a periferia e a especificidade humana».
Olga Tokarczuk foi finalista do National Book Award 2018 e venceu o Man Booker 2018 com o romance Viagens, editado em Portugal pela Cavalo de Ferro, que na segunda-feira lança por cá o seu mais recente livro: Conduz o Teu Arado sobre os Ossos dos Mortos.
Peter Handke é um escritor com mais obra publicada e que se tem também prolificamente dedicado à escrita teatral. A sua última obra publicada em Portugal foi Os Belos Dias de Aranjuez – Um Diálogo de Verão (Documenta), em 2014, levado ao cinema por Wim Wenders.
Como água e azeite
Ainda que em latitudes opostas, os dois autores são conhecidos pelo seu ativismo político. No ano passado, numa entrevista após ter recebido o mais importante prémio literário do seu país, a autora – que critica o conservadorismo polaco –, afirmou que tinha sido «ingénua ao pensar que a Polónia era capaz de debater as zonas escuras» da sua História, condenando ainda os «atos horrorosos» ocorridos no período colonial. A extrema-direita apelidou-a de traidora e a editora que a representa viu-se obrigada a contratar uma escolta de guarda-costas para a proteger.
Já a atribuição do prémio a Peter Handke está no epicentro de uma nova polémica. Em 2006, no funeral de Slobodan Miloševic, já condenado como criminoso de guerra, Handke fez um discurso em que o homenageou. A apologia do autor a Miloševic «chocou até os seus mais fervorosos fãs», escreveu Salman Rushdie. «O genocídio na Bósnia-Herzegovina tinha um autor. Handke escolheu apoiar e defender esses autores. A decisão sobre o Prémio Nobel trouxe uma dor imensa às inúmeras vítimas», escreveu Hashim Thaci, Presidente do Kosovo, no Twitter. Uma indignação que se estendeu ao resto dos Balcãs. A Mães de Srebrenica, a principal associação de vítimas do genocídio de 1995, vai pedir a retirada do Nobel. Sem estranheza, são esperados protestos na cerimónia de entrega, marcada para dezembro.