«Em tempo de revolução, cuidado com a primeira cabeça que rola. Ela abre o apetite do povo. Muitas outras rolarão de vários lados».
Vitor Hugo
Menos de dez horas após terem-se ficado a conhecer os resultados finais das eleições legislativas de 6 de Outubro, começaram a ser do domínio publico e mediático espontaneamente (vá-se lá saber porquê e como…) várias vozes do PSD a criticarem Rui Rio e os resultados do PSD. E a exporem o que infelizmente nas últimas décadas tem sido quase sempre habitual: a mudança de líder, de equipa do líder, de estratégia do líder, etc. Independentemente das análises e comparações eleitorais dos resultados do PSD e dos demais concorrentes às eleições do passado domingo, há que reconhecer que a generalidade das críticas e das lágrimas exteriorizadas mais não foram do que as esperadas – até porque, na maioria, tratam-se de ajustes de contas pessoais, partidários e políticos.
Por uma ou mais razões – exclusão da lista de candidatos a deputados, vingança por tais listas não terem contemplado todos os amigos do aparelho, ajuste de contas por não terem sido escolhidos para funções partidárias nacionais e ou parlamentares nos últimos anos, etc. E, claro está, alguns por aceitarem fazer não só de lebres mas também de coelhos e ratos a saírem do barco em andamento para outros barcos onde tenham mais ‘estatuto’, ‘influência’, presente e futuro.
Ou seja, para muitos dos ‘críticos’ era importante que mais uma guerra civil interna no PSD fosse iniciada e fizesse o seu caminho o mais depressa possível. Nada de novo. Nada que não tenha já acontecido. A esse propósito, faz todo o sentido que se afirme: ninguém, mas ninguém, é virgem nesse tipo de ‘mercearia politica’. Antes pelo contrário – uns mais do que outros, é certo, mas o PSD está viciado nisso. Mas mais do que o PSD, o aparelho profundo e alguma elite dependente dos ‘cargos’, ‘das mordomias’, do ‘estatuto’ e da ‘projeção mediática’ que isso confere e que de outra forma não alcançariam e manteriam.
Porque o PSD normal, dos eleitores, dos simpatizantes e até dos militantes anónimos, o que quer é outra coisa. Num partido politico fundador e pilar base do regime e sistema partidário português, exige-se responsabilidade institucional e sentido de Estado. E não é o que se tem feito nos últimos anos. Quer é ir-se na ‘cantiga’ dos media e de comentadores anti-PSD (mesmo que alguns só sejam comentadores por terem sido alguma coisa no PSD).
Alguns viciados na falsa narrativa de que o PSD tem como sex appeal andar com regularidade e com muito apoio mediático a matar e derreter presidentes, dirigentes e opções programáticas. Recorrendo a estratégias duvidosas de caráter político, ético e moral, colocando em causa pessoas que importa arrasar para outros subirem na máquina laranja. Esquecendo-se que isso vai cada vez mais calhar a todos. Mesmo que alguns cartões de crédito recheados e fugas de informação cirúrgicas alimentem jornalistas e media sedentos de sangue, mesmo que baseados em mentiras que encantam. Esta espécie de ‘sportinguização’ do PSD criou (mesmo que alguns cegos por vingança e ambição medíocre não o vejam) uma situação muito perigosa – que a é de uma guerra ser praticamente consensual dentro do PSD. Ou seja, só por hipocrisia é que muita gente é vista e cumprimentada como tal. Mas ninguém é consensual. Aliás, não existem reservas do PSD.
Agora, até Aníbal Cavaco Silva entrou na ‘guerra civil’. A despropósito, veio publicamente falar da tristeza dos resultados do PSD e de Maria Luís Albuquerque (um mito). As guerras civis, nacionais, regionais, distritais e locais têm sido tão grandes, e baseadas na falta de memória e de respeito, que hoje é cada vez mais difícil ter alguém consensual.
Depois disto, faz sentido que se pergunte: será que os portugueses em geral, os eleitores, simpatizante e militantes do PSD querem continuar com este espírito de guerra civil laranja permanente? Julgo que temos ido longe de mais. Com pretextos antigos, desajustados da realidade, com base num país que já não existe e que tolerava isso ao PSD. O líder da oposição em Portugal foi sempre o ‘lugar’ mais difícil da política portuguesa. Hoje o PSD deve fazer uma reflexão que não priorize só pessoas, mas antes o seu projeto para Portugal no médio e longo prazo.
O pior que pode acontecer ao PSD é ser uma espécie de Sporting (com muito respeito que tenho pelo Sporting, que aliás tem em minha casa vários sócios e adeptos). Os resultados eleitorais do passado domingo foram bons demais para vários críticos, mas sossegaram a grande maioria dos eleitores do PSD (que teve quase 1 milhão e meio de votos). A estratégia eleitoral atesta que o país que funciona e tem futuro vota PSD. Enquanto o PS ganhou com o ‘partido do Estado’ (titulares de subsídio de desemprego, de rendimento mínimo, de funcionalismo público, de reformados). O PSD tem de assumir mais a sua condição de voz dos setores mais dinâmicos, moderados, qualificados. E tem de reconquistar eleitores perdidos da ‘terceira idade’ e destacar-se do Bloco de Esquerda ao nível da juventude e das prioridades para essa faixa etária. Ser igual ao Bloco de Esquerda, sobretudo nos temas fraturantes, deu o que deu. Se houver uma nova guerra civil nas próximas semanas e meses, deseja-se que não se matem mais líderes, candidatos a líderes, dirigentes, recorrendo ao bas fonds mediático dos casos com a justiça, de insinuações de falsidades de documentos etc. Mesmo que alguns amigos jornalistas façam um tratamento discreto para pagarem favores a fontes amigas. O país precisa de tudo, menos que o PSD se vire para dentro, para uma guerra interna. Os portugueses não o entenderão. E os seus protagonistas perderão legitimidade para que no futuro outros lhes façam o mesmo.
Quem tem a ganhar com a ‘sportinguização’ do PSD é o PS, a esquerda e a extrema-esquerda parlamentar.
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