Luxemburgo Barraca no país das fadas

A Seleção nacional viveu frente ao Luxemburgo uma das maiores vergonhas de sempre. Derrota por 2-4 na estreia de Eusébio. Peyroteo selecionador.

Para a campanha de outubro de apuramento para o Mundial de 1962, no Chile, com jogos no Luxemburgo e em Wembley, foi chamado à função de selecionador Fernando Peyroteo. Teria tempo, ao longo do resto da sua vida, de se arrepender em ter aceitado o cargo. Os seus problemas começaram ainda antes da deslocação ao ‘País das Fadas’, ou ‘Cidade de Opereta’, como os jornais da época gostavam de se referir ao Luxemburgo, glosando a arquitetura barroca do Grão-Ducado da família de Nassau. Ao vetar a data de 18 de outubro para a realização do Áustria de Viena-Benfica para a Taça dos Campeões (nesse tempo as datas dos jogos internacionais ainda se combinavam e dependiam da autorização das federações), Peyroteo comprou desde logo uma guerra com os encarnados que, assoberbados por convites para jogar no estrangeiro, tinham problemas sérios para estabelecer um calendário. Além disso, a sua convocatória não foi isenta de polémica. Peyroteo selecionava como jogava: a direito; duro, mas correto. Deixou claro que alguns jogadores considerados indiscutíveis não seriam chamados por via da sua quebra de forma. José Augusto, Santana e Fernando Mendes, por exemplo. Para compensar, contava agora com a mais refulgente aparição do futebol português, o jovem Eusébio, com apenas 19 anos.

Com a vitória da Inglaterra, em Wembley, frente a esse mesmo Luxemburgo (4-1), Portugal estava agora obrigado a ganhar aos luxemburgueses e a empatar, pelo menos, em Londres, para levar os britânicos a um terceiro jogo em terreno neutro. Mas a viagem à Cidade das Fadas foi uma espécie de viagem ao inferno. Uma derrota dolorosa por 2-4, deitava por terra qualquer réstia de aspirações de nos qualificarmos.

A Seleção de Peyroteo era quase de risca ao meio. Isto é, jogava com uma defesa à base do Sporting e com um ataque à base do Benfica. Ora veja-se: Costa Pereira (Benfica); Lino (Sporting), Morato (Sporting), Lúcio (Sporting) e Hilário (Sporting); Pérides (Sporting) e Coluna (Benfica); Yaúca (Belenenses), Eusébio (Benfica), Águas (Benfica) e Cavém (Benfica). 

Portugal mergulhou mansamente no naufrágio. Os defesas não se entendiam uns com os outros, não acudiam às dobras, atropelavam-se desajeitadamente e facilitavam as rápidas incursões dos adversários. O ataque não descobria a forma de ultrapassar a feroz defesa do Luxemburgo: Coluna jogava excessivamente recuado; Cavém estava abandonado no flanco esquerdo; Águas entalado entre dois centrais e Eusébio não conseguia fornecer jogo ao seu capitão no jogo amaldiçoado da sua estreia com as quinas ao peito. 

A desvantagem de 0-1 com que saímos para o intervalo era surpreendente mas compreensível. O início do segundo tempo foi confrangedor: aos 53 minutos, Schmidt, que já tinha apontado o primeiro golo, fez o 2-0; três minutos depois, completou o hat-trick, aproveitando um pontapé de baliza de Costa Pereira dirigido aos pés de Vandivint, que isolou de imediato o seu avançado. Os portugueses não queriam acreditar no que lhes estava a acontecer. E só então esboçaram finalmente uma reação, mais ditada pelo orgulho do que pela arte de um jogo coletivo. 

Um pouco de Eusébio

A oito minutos do fim, Eusébio arranca pela direita, junto à linha lateral, e vai levando a bola para o centro, driblando primeiro um, depois outro e ainda outro adversário. O remate de pé esquerdo foi indefensável! Portugal parecia ter força para ainda encostar às cordas o seu frágil opositor. Mas, dois minutos depois, Hoffmann faz o 4-1. Novo pontapé de longe, de pé esquerdo, de Yaúca, reduziu a desvantagem no último minuto. 

A derrota envergonhava. Peyroteo, lançava, apesar de tudo, um grito de revolta: «Vamos ganhar em Inglaterra!». Ninguém o levava a sério. Os ingleses espantavam-se: O desfecho deste encontro é um dos maiores choques do futebol europeu e mundial!», escreveu Peter Lorenzo, enviado especial do Daily Herald. 

Os luxemburgueses, por seu lado, rejubilavam: «Este foi o mais belo dia do futebol do Luxemburgo!», titulava o La Meuse. E seguia no mesmo tom: «Batemos uma autêntica equipa nacional, uma equipa que os melhores temem e que tem nas suas fileiras cinco campeões da Europa. Foi a jornada mais bela do nosso futebol: batemos Portugal num encontro oficial e não num desses desafios amigáveis sem grande importância». 

Em Portugal, a barraca da Cidade das Fadas teve, naturalmente, fortíssima repercussão. Criticava-se a soberba com que a equipa encarara o início da partida. Ainda por cima, a guerra entre o Benfica e o selecionador ia de vento em popa: de um lado e do outro trocavam-se acusações. 

 Peyroteo defendia-se com violência: «Que importa a certas pessoas que a Seleção ganha ou perca?» O seu futuro estava traçado. O futuro de Eusébio, pelo contrário, estava a começar, apesar da desgraça.