Ao mesmo tempo que as ruas da Catalunha se entopem de protestos, o presidente do Governo regional defendeu, esta quarta-feira, que a região volte a exercer o seu direito de autodeterminação ainda nesta legislatura – um eufemismo para um novo referendo para a independência. Mas o apelo mereceu algumas reticências do seu parceiro de Governo.
“Defenderei até ao final desta legislatura que se volte a exercer o direito à autodeterminação”, afirmou Quim Torra, com um tom grave, na sessão extraordinária do Parlament. “Se abres as urnas para a autodeterminação condenam-nos a 100 anos, será necessário voltar a abrir as urnas para a autodeterminação”, defendeu, vincando que nenhum tribunal o irá impedir de abrir o debate sobre a independência da região: “Com a dignidade da Catalunha não se joga”.
O apelo de Torra vem na sequência das duras penas aplicadas pelo Supremo Tribunal espanhol, na passada segunda-feira, aos líderes políticos catalães pelo seu papel no processo secessionista da Catalunha do Reino de Espanha. Foram nove condenados a pesadas penas de prisão, num total de 100 anos.
Contudo, a falta de aplausos, normais neste tipo de ocasiões, fez-se notar no hemiciclo. A Esquerda Republicana Catalã (ERC), que integra o Executivo catalão, fez questão de se demarcar do apelo de Torra, do Juntos pela Catalunha, partido de que também faz parte Carles Puigdemont, ex-presidente da Generalitat autoexilado em Bruxelas, Bélgica.
A formação de Oriel Junqueras, ex-vice-presidente da Generalitat a quem foi aplicada a pena mais pesada – 13 anos de prisão -, insistiu que o referendo não é a única “forma democrática” de resolver o problema político na Catalunha, segundo fontes do El País. Na verdade, até parece haver um mal estar entre as duas formações independentistas devido ao apelo. “Não nos avisaram”, disse uma fonte da ERC ao jornal espanhol.
Algo que a ERC também vincou no hemiciclo esta quarta-feira, após o discurso de Torra. “Não é o momento para se pôr prazos. É o momento para trabalhar nos consensos que representam 80% da cidadania da Catalunha, de chegar a acordos entre os múltiplos atores”, defendeu Segi Sabrià, líder parlamentar da ERC. Mas garantiu: “Estudaremos a proposta”.
E Sabrià acrescentou que tem o mesmo objetivo: “A nossa proposta é clara: forçar o Estado [espanhol] a uma negociação política. Sabemos que é difícil, não será rápido, mas faremos com que o Estado se sente à mesa das negociações porque a única solução é exercer o direito de autodeterminação”. Sabrià condenou ainda a violência policial contra os manifestantes, dizendo que não os representa: “Muito menos os presos políticos”.
Já a maior parte dos partidos fora da esfera governativa teceu duras críticas à atuação de Torra – pedindo mesmo a sua demissão -, com o Ciudadanos à cabeça. A líder parlamentar do partido de centro-direita, Lorena Roldán, disse a Torra para se deixar “de fazer de ativista”. “Vocês legitimam a violência”, falando nos protestos que tomaram conta das ruas da Catalunha. Embora Torra tenha condenado a violência, a deputada lamentou que não o tenha feito desde “o primeiro dia”. Também o Partido dos Socialistas da Catalunha e o Catalunha em Comum pediram que Torra se afaste do Governo.
Protestos As penas anunciadas pelo Supremo Tribunal desencadearam uma onda de indignação gigantesca na Catalunha. Na quarta-feira, milhares de pessoas iniciaram marchas simultâneas em toda a região em direção a Barcelona: “A Marcha pela liberdade”. Neste dia os protestos na capital da Catalunha começaram pacificamente, mas para o final da noite Barcelona esteve perto de se tornar numa batalha campal – foram erigidas barricadas com fogueiras e houve confrontos com a polícia. Esta quarta-feira, os serviços de emergência atenderam 96 pessoas – devido aos confrontos – em toda a região (57 só na capital) e os Mossos de Esquadra detiveram 32 pessoas, segundo o El País.
Ontem também foi organizada uma greve de estudantes, que terá uma duração de três dias, concentrando centenas de pessoas na Universidade de Barcelona, no centro da cidade, acabando na icónica Praça de São Jaume. Ao fecho desta edição, milhares de pessoas concentravam-se no centro da capital, num protesto convocado pelo Comité de Defesa da República. Houve ainda tensão entre ativistas de extrema-direita, favoráveis a Espanha, e a polícia autonómica. É esperada outra vaga de manifestações em Barcelona esta sexta-feira.