Há quatro anos Costa ganhou, perdendo. Nas últimas eleições legislativas Costa perde, ganhando.
Cada vez se torna mais claro que as eleições se ganham e interpretam nas declarações mediáticas e imediatas produzidas durante o próprio ato de apuramento de resultados.
Quem tenha ouvido o primeiro ministro, na qualidade de líder do partido mais votado, no passado domingo à noite, foi levado a concluir que tudo decorreu no melhor dos mundos, que o eleitorado participou ativamente nas escolhas e, sobretudo, que os cidadãos estão muito contentes com a chamada ‘geringonça’ e sonham com o dia (próximo) em que a verão replicada, se possível num formato ainda mais abrangente.
Também se “decretou” que todos os partidos que desejaram e lutaram para que não houvesse uma maioria absoluta estão, agora , obrigados, como castigo pela concretização do seu desejo, a apoiarem, com entusiasmo, o governo que o partido vencedor formar.
Só falta saber se esta estranha regra se aplicará também aos cidadãos individualmente considerados, mas a insólita ‘fatwa’, lançada e repetida até à exaustão, faz prever o pior.
Ora este ‘prémio eleitoral’, a favorecer o partido mais votado, viola, claramente, alguns dos principais princípios democráticos, entre os quais se incluem o dever do escrutínio permanente e de apresentação de alternativas tarefas que, obviamente, devem assentar numa oposição representativa.
É sabido que, dentro de certos limites, os números se podem torturar, até confessarem a nossa ‘verdade’, mas mesmo esta regra regra tem limites.
Senão vejamos:
1. As eleições mobilizaram menos de 55 por cento do eleitorado do território nacional o que significa que a taxa de abstenção (enfraquecimento da cidadania) subiu de novo e está, agora, no valor mais elevado de sempre, o que, aparentemente, só preocupa a maioria dos políticos na véspera das eleições, pois nos ‘intervalos’ pouco fazem (quer ao nível comportamental, quer ao nível instrumental) para corrigir a situação;
2. Do modesto nível de participação resultou que o partido mais votado apenas recebeu a confiança de 18 cidadãos em cada 100 eleitores e, se este facto, não lhe retira qualquer legitimidade como partido vencedor, deverá obrigá-lo a alguma contenção no triunfalismo.
3. Os partidos da chamada geringonça, solução política contra natura que governou durante a legislatura, perderam globalmente votos (não muitos, é certo, mas perderam) pois a pequena subida do PS não foi suficiente para compensar as perdas de bloquistas e comunistas;
4. com os seus 36,65 dos votos, o PS ficou com 4,5 pontos percentuais a mais que o somatório PSD/CDS, sem contar com os valores do Chega e da Aliança, partidos que resultam de cisões, o que é manifestamente pouco para quem considerou, e nisso assentou a sua estratégia política de conquista do poder partidário, que os 3,75 pp que o PS conseguiu nas eleições europeias de 2014 contra a PAF, eram muito poucochinho.
Todas estas notas factuais, indesmentíveis e sem necessidade de torturar os números, provam que é manifestamente exagerada a proclamação de que tudo decorreu no melhor dos mundos, que o partido vencedor teve uma vitória retumbante, que os eleitores renovaram em alta o seu compromisso com a cidadania e que os portugueses estão de tal forma encantados com os sucessos da geringonça que se manifestam disponíveis para abdicar de outras alternativas ou de escrutínio permanente mais rigoroso.
A verdade é que novos tempos estão aí e as reversões de leis e a recuperação de rendimentos, que qualquer governo faria na sequência da saída limpa do ajustamento financeiro, estão esgotadas.
Os novos tempos passam, agora, pela criação de riqueza de forma sustentada, pela recuperação dos serviços públicos, pela transparência dos comportamentos políticos, pelo combate à corrupção, pelas reformas estruturais que tornem o país melhor preparado para fazer face às turbulências externas, enfim, por um tipo de ações e escolha de opções, que não é compatível com uma nova geringonça.
O atual primeiro-ministro, próximo primeiro-ministro, estará perante uma escolha a que não pode fugir: ou opta por fazer mais do mesmo, navegando à vista a satisfazer aleatoriamente clientelas poderosas, no plano eleitoral, até que surja a próxima intervenção externa, ou opta por lançar as bases de um país mais saudável, mais desenvolvido e mais justo que faça o pleno e eficiente aproveitamento de todos os recursos (domésticos ou externos) que venha a ter à sua disposição.
A escolha, por isso, é, mais uma vez, entre o poucochinho e o sentido de responsabilidade em benefício do país a curto mas, sobretudo, a médio e longo prazo.