Considerando as circunstâncias (sempre determinantes), atrevemo-nos a sugerir um caderno de encargos na área da Defesa Nacional para o próximo Governo.
Pedimos desculpa pela imodéstia, mas julgamos que, graças a um percurso profissional de mais de 48 anos, podemos escrever algo de útil sobre a matéria.
Com as sucessivas reformas (nem sempre bem conseguidas) de que têm sido objeto a instituição militar e a Defesa Nacional – vertentes bem distintas –, o mais importante é colocar as ‘pedras de fecho’ nalguns sistemas e decidir, vigorosa e corajosamente, no domínio da gestão de recursos – humanos, materiais e financeiros.
Invocamos a importância da ‘pedra de fecho’, relembrando a relevância que lhe foi concedida por mestre Afonso Domingues na abóbada do Mosteiro da Batalha.
Estamos agora em condições de elencar – por ordem de importância – as ‘pedras de fecho’ que deverão finalmente ser colocadas no âmbito da Defesa Nacional:
1. A efetiva (e definitiva) eliminação das sobreposições e ‘zonas cinzentas’ ainda existentes entre o Ministério da Defesa Nacional (MDN), o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) e os Estados-Maiores da Armada, do Exército e da Força Aérea.
É certo que ao longo das últimas décadas já se deram passos significativos neste sentido, mas a evidência mostra-nos que há ainda muito caminho a percorrer, o que exigirá ‘vontade férrea’ do ministro da área e capacidade para não se deixar demover pelas inúmeras ‘personagens’, civis e militares, amigas e estranhas, que o tentarão influenciar em sentido contrário.
E só vemos duas soluções possíveis: um MDN de ‘grande porte’ e um EMGFA apenas de natureza operacional, ou um MDN de cariz essencialmente de controlo e execução política e um EMGFA de natureza ‘Estado-Maior de Defesa’ (EMD), a exemplo de vários países europeus, e não só.
Após o ciclo de reformas já realizadas, é nossa profunda convicção que a boa solução passa pela segunda opção: isto é, um MDN reorganizado, reajustado e cuja missão principal seja a direção política da Defesa Nacional, assegurando a natureza interdepartamental da mesma, com consequente posicionamento do respetivo ministro no mais elevado nível de responsabilidade no Conselho de Ministros. Evita-se assim que o ministro atue essencialmente por delegação do chefe do Governo, a quem – em exclusivo e nos termos da Constituição – compete a responsabilidade da política de Defesa.
Em termos de estrutura de comando das Forças Armadas, defendemos também com profunda convicção que:
– O CEMGFA deve ser o único interlocutor das Forças Armadas junto do poder político (Presidente da República, Assembleia da República e Governo). Nem se percebe que seja de outra forma, numas Forças Armadas que, por opção política, têm reduzida dimensão.
– Este oficial general deve ser o único com quatro estrelas (porque entre militares a simbologia é muito importante). Assim, todos saberiam exatamente a quem prestar e a quem pedir contas;
– A Marinha, o Exército e a Força Aérea devem ser, de facto, componentes das Forças Armadas, deixando de ter ‘vida própria e autónoma’. Nestes domínios, o que interessa é valorizar o ‘conjunto’, através das suas componentes mas com direção única.
2. No que respeita à Gestão de Recursos, é determinante modernizar os instrumentos e adequar a formação dos especialistas, pois, se em tempos idos os militares foram precursores nestas matérias, estão hoje muito atrasados e indolentes.
No âmbito dos Recursos Humanos, deve proceder-se à revisão total da política de recrutamento e retenção em vigor, em todas as classes e setores (profissionais, contratados e voluntários):
– Procedendo à criação de quadros conjuntos, sob gestão exclusiva do CEMGFA, em domínios onde atualmente é por demais evidente a sua necessidade: nos quadros da saúde e do ensino superior militar;
– Alterando o sistema retributivo, para que o vencimento tenha uma componente fixa e uma componente variável. Esta última seria atribuída de acordo com a formação e competências dos militares, mas também do perigo e risco a que estão sujeitos (quando ‘efetivamente’ exercem funções dessa natureza).
Em todo o caso, nunca deve esquecer-se o equilíbrio e equidade que devem sempre existir entre os quadros do Estado, em especial nas áreas de soberania: saúde, ensino e justiça.
No âmbito dos Recursos Financeiros, deveria introduzir-se desde já o ‘orçamento de base zero’ e garantir uma execução orçamental sustentada em calendarizações efetivas e sem ‘sobressaltos’, pelo que defendemos o seguinte:
– O EMGFA (ou EMD) seria responsável pela apresentação e cumprimento do orçamento das Forças Armadas;
– O ministro da Defesa Nacional, após integração do orçamento agora referido, seria responsável pela apresentação e cumprimento do orçamento da Defesa Nacional;
– A Assembleia da República deve assegurar o rigoroso cumprimento da Lei de Programação Militar e da Lei de Infraestruturas Militares.
No respeitante aos Recursos Materiais, ao nível do EMGFA (ou EMD), deve proceder-se à integração completa das necessidades objetivas, bem como da respetiva sustentação ao longo de toda a vida útil desses recursos. De uma vez por todas, têm de se abandonar os ‘luxos’ a que só os países ricos se podem entregar.
No domínio da Formação e Treino, pelas razões já expressas, o ‘conjunto e o combinado’ deve ser aprofundado o mais possível.
3. Um aspeto por vezes minimizado pelos políticos, mas que deve merecer a sua atenção – por ser da maior importância para uma ‘família militar’ que sente profundamente as consequências da ‘condição militar’ – tem a ver com o apoio que lhes é prestado. Assim:
– No que toca ao Apoio em Saúde a Militares e Familiares, primariamente sustentado no desenvolvimento da integração da Saúde Militar e na prestação do Hospital das Forças Armadas, deve resolver-se definitivamente a situação da Assistência na Doença dos Militares, definindo os patamares da sustentação financeira possível, e colocar este serviço sob a tutela política.
– Sobre o Apoio Social dos Militares, deve proceder-se à reorganização, redimensionamento e modernização do IASFA, tornando-o um instrumento útil, geral e obrigatório, mas dinâmico, presente, humano e próximo na resolução das principais dificuldades, em especial na infância e na velhice.
Aqui fica o nosso desinteressado contributo, que apresentamos num ato de pura cidadania e enquanto ‘contribuinte líquido’ para a fazenda nacional (leia-se, como pagador de Impostos).
Por razões familiares e de saúde, iremos alterar a nossa presença semanal, vindo aqui sempre que possível com assuntos de atualidade, e regressando à normalidade logo que tal nos seja permitido.
*Major-General Reformado