O Governo britânico voltou a tentar que o Parlamento votasse o seu acordo de saída da União Europeia – mas sem sucesso. Desta vez, não foram os deputados a frustrar os planos do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, mas sim o presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, conhecido pelo modo estrondoso como põe “ORDEM!” nos debates parlamentares. “A moção não será debatida hoje, porque seria repetitivo e desordeiro”, declarou.
“A moção de hoje é, em substância, a mesma moção apresentada e decidida no sábado pela câmara. As circunstâncias de hoje são, em substância, as mesmas circunstâncias de sábado”, explicou. O presidente da Câmara dos Comuns utilizou como precedente uma regra parlamentar de 1604, e que até este ano não tinha sido usada desde a década de 1920. Essa mesma regra servira também para Bercow impedir a antecessora de Johnson, Theresa May, de apresentar o seu acordo de saída pela terceira vez consecutiva – tendo sofrido derrotas estrondosas nas duas vezes anteriores.
Bercow lembrou que, a menos de 49 horas do seu anúncio, este sábado, os deputados tinham decidido adiar um voto vinculativo sobre o acordo de Johnson, exigindo que primeiro fosse aprovada a legislação doméstica à volta deste. O objetivo? Impedir que o Governo contornasse a lei que proíbe uma saída não negociada da UE, aprovando o acordo de Johnson para não ter de pedir uma extensão do prazo do Brexit – rasgando em seguida o acordo para conseguir uma saída não negociada.
Face a isto, “o que é adequado que o Governo faça?”, questionou Bercow, retoricamente. “Pode apresentar a lei para implementação do acordo de saída [da UE]”, sugeriu o presidente da Câmara dos Comuns. E é de facto isso que o Governo vai fazer, apesar de ter lamentado a decisão de Bercow. “Estamos desiludidos por o presidente da Câmara dos Comuns nos tenha negado a hipótese de concretizar a vontade do público”, disse um porta-voz do Governo ao site HuffPost, salientando que os britânicos “querem ver o Brexit concretizado”.
E agora? Continua em dúvida se Johnson conseguirá ou não o número de deputados de que precisa para aprovar o seu acordo. O processo de discussão da legislação necessária para tal começa já hoje, e deverá prolongar-se até quinta-feira, segundo o calendário divulgado pelo líder dos conservadores na Câmara dos Comuns, Jacob Rees-Mogg. Entretanto, fica pendente a aprovação da legislação necessária por parte do Parlamento europeu, que aguarda um sim claro dos deputados britânicos.
Não é impossível que o primeiro-ministro britânico consiga o que pretende, e evitar a necessidade de mais uma extensão do Brexit – mas cada vez parece mais difícil. O momento chave será a votação da legislação para a saída, esta quinta-feira – e o Governo pode muito bem ter apoio suficiente para tal.
Nem que seja porque o acordo de Johnson – mesmo que seja aprovado – pode sair do Parlamento completamente irreconhecível: os trabalhistas já prometeram acrescentar emendas como uma união aduaneira com a UE, ou que o acordo tenha de passar por um segundo referendo. Uma possibilidade que o Governo considera um “truque processual”, com o objetivo velado de “frustrar, atrasar ou cancelar o Brexit de todo”, segundo disse à BBC o secretário do Tesouro, Rishi Sunak.