A perplexidade tomou conta do rescaldo eleitoral. Desta vez vamos ter um Governo e uma oposição de perdedores. No Governo seja qual for a solução encontrada o resultado será o de sermos governado por quem obteve resultados eleitorais abaixo dos objetivos que foram fixados pelos próprios, embora alguns deles tivessem sido mantidos em segredo. Na oposição ficam maioritariamente também perdedores, longe de se aproximarem o suficiente para produzirem mossa política, abrindo, até, novas alternativas de alianças para a governação.
Mas nenhuma das narrativas protagonizada pelos principais políticos se conforma com a situação de derrota, sendo todas invariavelmente caldeadas segundo ângulos de visão que dão ideia de um bom desempenho, do desempenho possível, ou mesmo de um desempenho acima do esperado.
Os que ganharam, não obstante a alegria incontida que foram passando para as audiências, pouco ou nada influenciarão a nossa vida, independentemente de poderem produzir influências marginais na orientação de quem de facto irá deter o poder.
Sendo inevitável uma política de alianças, de geometria ainda não clarificada, a circunstância atual obriga a acordos num arco de governação que oferece mais alternativas, embora aparente uma estrutura mais frágil que a solução anterior. Certo é que haverá sempre a necessidade de se produzirem acordos políticos.
Qualquer acordo político implica o sacrifício de alguns interesses. Também certo, é que os políticos que os subscrevem tudo farão para minimizar tais sacrifícios, incluindo aqueles que afetam mais diretamente os interesses da maioria dos seus apoiantes, com especial destaque para os mais marcantes, até porque são esses os que acabam invariavelmente por confundir o seu estatuto particular com o da população em geral, transformando-se em amplificadores da bondade, urgência e acerto de tais acordos, bem como das medidas de política que deles decorrem.
Para que seja possível estabelecer qualquer padrão estável de acordo político é essencial dispor de uma elite consensualmente unificada, caso contrário os entendimentos são quase impossíveis e a intensificação da luta política tomará inevitavelmente conta do quotidiano.
No calor das negociações políticas e do ambiente que em tais circunstâncias se gera, está sempre presente que é o processo político que determina o tipo das instituições económicas, sociais e culturais e são as instituições políticas que determinam o modelo de funcionamento daquelas, tornando-se vital balizar, em sede de negociação, quais os fatores que circunscrevem a distribuição do poder político na sociedade, atendendo sobretudo à capacidade daí decorrente para diferentes grupos prosseguirem os objetivos que mais lhe interessam ou impedirem que grupos rivais materializarem os seus.
O tempo político que se avizinha vai ser pródigo em grandes disputas de afirmação política entre os diferentes intervenientes no debate parlamentar, e também fértil em pequenas questiúnculas motivadas por razões de visibilidade adocicadas com múltiplas declarações bombásticas sem qualquer consequência prática, mas que dominarão as perceções mais imediatas do país real. Serão muitos os momentos em que a palavra fácil se conjugará com a imaginação à medida da satisfação imediatista de uma certa audiência que valoriza mais o discurso que as consequências que tal transporia se aplicado á realidade.
O descontentamento real e aparente subjacente a tais intervenções emprestará um particular vigor à nossa particular característica de vivermos em permanência num certo contentamento descontente.