Apesar de ter garantido o contrário ao longo da semana, Tomás Correia acabou por anunciar no dia 24, altura em decorreu a última reunião do conselho geral da Associação Mutualista Montepio – antes da alteração de estatutos -, a saída da liderança da Associação Mutualista Montepio Geral. O ainda líder da Mutualista justificou a decisão por existir «um ataque do legislador a uma instituição privada e a ele próprio». Uma decisão que apanhou todos os membros do conselho de surpresa, sabe o SOL.
A saída irá acontecer a 15 de dezembro e Tomás Correia será substituído por Virgílio Lima, que tem um currículo associado à gestão na seguradora Lusitânia e é atualmente vogal do conselho de administração
Já esta sexta-feira, Tomás Correia justificou a sua decisão. «É minha convicção que o novo Código Mutualista, em matéria de governo das associações mutualistas, não respeita a autonomia das associações e o direito democrático dos seus associados, colocando em causa o desenvolvimento do modelo de democracia interna que é a grande alavanca de sustentabilidade destas organizações», referiu em comunicado. E face a esta sua leitura admitiu que chegou a ponderar a hipótese de não se recandidatar à presidência da Mutualista nas eleições que tiveram lugar no final de 2018.
No entanto, por considerar que não foi possível encontrar uma substituto para concorrer ao último ato eleitoral acabou por avançar, mas tendo em mente quatro objetivos que, no seu entender, foram cumpridos. Ganhar as eleições, elaborar o projeto dos novos estatutos – que recebeu a aprovação prévia do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social que tutela a instituições – estabilizar a governação da área seguradora e concluir o processo de estabilização da equipa do Banco Montepio.
Em matéria de estatutos considera que não são os «ideais», mas foram os possíveis tendo em conta as limitações do novo Código Mutualista. «Mas nos termos em que foram estruturados permitem proteger o essencial da nossa associação», salientou.
Face a isso, Tomás Correia garante que «encontram-se cumpridos os objetivos essenciais que levaram a que tivesse sido candidato a presidente do Montepio Geral – Associação Mutualista nas últimas eleições e, com esse cumprimento, considero ter ganho o conforto moral que me permite não ter que continuar a ser cúmplice do modelo de governo que o novo Código Mutualista impôs às associações mutualistas, em clara violação dos direitos democráticos dos seus associados e do modelo de democracia interna que cada associação entende dever construir», diz no comunicado.
A verdade é que estes dossiês ainda não estão fechados. O Banco Montepio aguarda a aprovação do Banco de Portugal para Pedro Gouveia Alves assumir o cargo de CEO, até aqui presidente do Montepio Crédito e administrador não executivo, substituindo Dulce Mota na liderança da instituição financeira – até aqui desempenhava funções de interina. Também a aguardar o registo de idoneidade está Fernando Nogueira para presidente da Lusitânia, que está a cargo do regulador dos seguros (ASF).
Recorde-se que, no final do ano passado, o Governo publicou um despacho que fez com que a associação passasse a ser supervisionada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) – no que diz respeito à supervisão dos produtos mutualistas – apesar de beneficiar de um período transitório de 12 anos devido à sua dimensão. Ainda assim, a tutela da associação continua a ser o ministério do Trabalho e da Segurança Social.
Esta foi uma das preocupações do Governo e das autoridades reguladoras, ao defenderem que os produtos financeiros das mutualistas passassem a ser fiscalizados por um regulador financeiro, face à ausência de supervisão que existia. Isto significou que a comercialização de modalidades de benefícios de segurança social terá de cumprir as mesmas regras a que estão sujeitos os produtos financeiros das seguradoras.
Esta regra aplicou-se às entidades mutualistas com mais de 100 mil associados, logo teve de ser levada a cabo pelo Montepio, uma vez que conta com mais de 600 mil.
Segundo a proposta de novos estatutos, publicada em 2 de outubro, a Associação Mutualista Montepio terá quatro órgãos sociais: assembleia-geral, conselho de administração, conselho fiscal e assembleia de representantes. Desaparece o conselho geral. Em janeiro, Tomás Correia defendeu que não existia a necessidade de eleições antecipadas para os restantes órgãos, uma vez que na revisão de estatutos não é preciso alterar os poderes e o papel da mesa da assembleia-geral, conselho fiscal e conselho de administração, eleitos em dezembro de 2018. A revisão dos estatutos na Associação Mutualista Montepio deverá ainda alterar a duração do mandato dos órgãos sociais, provavelmente para quatro anos, face aos três anos de hoje.
Avaliação sob escrutínio
A saída ocorreu, numa altura, em que a idoneidade de Tomás Correia estava a ser avaliada, desde março, pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).
Tomás Correia também se deparava com a decisão do Banco de Portugal (BdP) de recorrer do veredicto do Tribunal da Concorrência que anulou as coimas ao Montepio e a oito antigos administradores, no valor de 4,9 milhões de euros, considerando que a sentença não se pronuncia sobre as infrações. Em causa está o facto de o regulador ter detetado falhas de gestão enquanto Tomás Correia exercia o cargo de presidente do agora denominado Banco Montepio, entre 2008 e 2015.
Além das falhas no controlo interno, o regulador aponta também o não respeito pelas normativas definidas nos regulamentos, que justificou a concessão de crédito de financiamentos de elevado montante a alguns clientes, nomeadamente a Paulo Guilherme e a José Guilherme. Este processo começou em 2014, com a auditoria forense à Caixa Económica Montepio Geral.
A entidade liderada por Carlos Costa «discorda do entendimento subjacente à decisão agora proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, que diverge, aliás, do teor de muitas outras que, ainda recentemente e sobre a mesma questão de direito, têm sido proferidas por tribunais superiores. Deste modo, o Banco de Portugal irá apresentar recurso das mesmas», declarou, na altura, em comunicado.
Um entendimento diferente tem o Tribunal da Concorrência, que considerou que foi violado o direito à defesa na fase administrativa, determinando a anulação da acusação e das notificações emitidas e a devolução do processo ao BdP, para que este profira «nova decisão isenta dos vícios que decretaram a nulidade».