Calhandros eram os potes de barro que percorriam as cidades para recolher os dejetos domésticos, que eram depois despejados no local onde a Ribeira de Alcântara encontra o Tejo.
O serviço, feito em pachorrentos carros de bois, convidava à conversa com a criadagem das casas e os recoletores acumulavam novidades, que passavam às ruas seguintes, misturadas com o mau cheiro. A carreta arrastava-se e os escândalos eram repetidos, deturpados e ampliados, mas sempre emporcalhados.
Ao longo dos tempos, a informação esteve a cargo de emissários, pregoeiros, editais, jornais, rádio e televisão, mas agora o meio privilegiado para comunicar é o digital, seja para o mundo global, seja em circuito fechado, com a vantagem da interatividade.
Como sempre acontece, o perigo aumenta com a facilidade, a velocidade, o anonimato e, sobretudo, com a irresponsabilidade, de tal modo que os murais do Facebook, as opiniões dos blogs, os bitaites do Twitter e as conversas no WhatsApp se converteram na versão moderna dos dejetos medievais. Nos calhandros do século XXI circulam as fake news, igualmente malcheirosas. Curas milagrosas, convocação de manifestações e incitamentos à violência alastram na net como mancha de azeite em papel pardo, mostrando que o avanço tecnológico não nos livra da praga dos ratos de esgoto.
A mentira, a intriga, a insídia, já perigosas quando passadas por via oral, adquirem capacidades letais quando difundidas à velocidade de um click. Os especialistas da intoxicação já não são os jovens rebeldes dos primórdios da web, que se divertiam a desestabilizar, mas profissionais do crime, que atuam à escala planetária com poder para abater governos, eleger presidentes e provocar guerras. Sem bússola fiável, o cidadão comum passou a temer tanto o que parece verdade, como o que parece mentira.
Os meios tradicionais perderam importância, porque escasseiam os bons profissionais e o povo tem sido encaminhado para as novelas, as peixeiradas futebolísticas e os concursos estupidificantes. Salva-se a rádio, para felicidade de quem se manteve fiel ao meio. No restante espaço informativo, o vazio da inteligência foi ocupado por internautas que modelam o essencial do que circula, desde os casos de polícia e as fofocas do social, ao que de mais importante acontece no mundo.
Não há como parar a onda avassaladora, viabilizada pelas novas facilidades de produção e comunicação de ‘casos’, infelizmente, o seu uso não foi orientado no sentido de fomentar o debate saudável, mas no da acumulação da futilidade e da violência. Como a má moeda expulsa a boa, o que mais se encontra nos ecrãs dos novos calhandros é a ignorância, a mesquinhez, o insulto e o ódio, à mistura com as agendas privadas dos serventuários dos poderes económicos, dos interesses partidários e, até, de seitas ideológicas, secretas ou não.
Consta que os operacionais são bem pagos, o que explica muita coisa… o busílis é que nunca se sabe quem lhes paga.