A felicidade assalta-nos. Teremos em breve um Governo.
Melhor, igual ou pior que o último, interessa pouco.
Diz o Senhor Presidente da República que o anterior teve uma atuação positiva. Acredito.
Mas diz também que o caso agora muda de figura, que se exige mais, que a conjuntura ataca, que estamos onde estamos só porque estamos.
Percebe-se que quer mais, resulta das suas palavras ser o crescimento económico o objetivo número um e sem ele não termos futuro.
E, prudente, adivinha dificuldades.
A esquerda outrora ululante, fala em tom menor.
Cordata, atura tudo, até a venda de uma empresa de um novel membro do Governo a um sobrinho que a pagará apenas daqui a dois anos.
O setor da empresa coincide com as competências do dito novel membro.
Não tem mal.
Há uma tolerância ideológica confrangedora. Fosse outro o quadro e a denúncia do inadmissível atroaria os ares. Fosse outro o quadro e esta habilidade tosca não passaria.
Frugal, exigente, moralizadora, multiplicar-se-ia na condenação pública sobre o tamanho do Governo.
Atenta, veneradora e obrigada, cala o exagero.
Podia ser pior…
Moderada, exibe a surdez do silêncio quando um hospital de uma grande área urbana fecha uma e outra vez uma urgência pediátrica e não consegue encontrar solução a curto prazo.
Silente, fica na sombra quando faz de conta não saber que o Estado não assume as despesas devidas na ADSE por causa das cativações e que não permite decidir o aumento da receita por recusa de novos subscritores.
Enfim, é uma nuvem de fumo, é uma capa protetora, é a passa-culpas.
Consegue, antes do Orçamento e na véspera do programa de Governo apresentado, impedir a revisão do sistema eleitoral, a impossibilidade de novas PPP, o aumento do salário mínimo. Troca-as por outras exigências maiores que deixa cair.
Permite, o Governo, que uma outra bandeira se levante, a eutanásia, e assiste ao boicote noticioso às manifestações pela vida. Convém, a manobra de diversão compensa.
Entretanto, as saias, os lugares, os acessos, ocupam a atenção do Parlamento.
Num outro país distante, o peronismo regressa.
É a esquerda, dizem alguns, que recupera terreno.
Estranha constatação.
O peronismo sempre foi a confusão instalada, os primos afastados do movimento social italiano que deu origem ao fascismo mussoliniano.
Às vezes acontece isto.
Um partido eterniza-se no poder porque se opõe a outros como mal menor.
A esquerda dá-se bem com a esquerda mais ou menos, opõe-se ao necessário, mobiliza todos os descamisados da vida.
A Argentina vive, há muitos anos, na incerteza. Quer mudar e não pode, quer poder e não muda.
Eu sei, dir-me-ão, mas não têm um Centeno.
É verdade, nem nós o tango.
Para o efeito talvez chegue o que passou desapercebido a todos.
O Dr. Costa, na posse do Governo, passou a usar no cabelo um risco à esquerda.
É, convenhamos, qualquer coisa de substancial.
O país vai viver na dependência da solidez desse risco.
Alinham-se nele os seguidores e os crentes. São o homem e o risco.
O que continua a espantar é o pasmo dos que se deviam opor, a incapacidade de argumentar, a ausência.
Há como que uma condenação inelutável, o castigo do fado.