É vendida por muitos como sendo a maior cimeira de tecnologia e empreendedorismo do mundo, mas será de facto a mina de ouro que muitos apregoam? Para Paddy Cosgrove será com toda a certeza. Mas a Web Summit, que esteve pela quarta vez em Lisboa e por cá irá continuar até 2028, que lucros trará para Portugal? O impacto no estrangeiro parece ser residual e todos os números baseiam-se em ‘projeções’ e num ‘estudo’.
Antes do arranque da quarta edição, o ministro da Economia afirmou que o evento tecnológico trouxe um retorno de cerca de 180 milhões de euros. «O que é importante é podermos mostrar que Portugal é um sítio que sabe acolher bem visitantes de todo o mundo, este ano a Web Summit terá participantes de cerca de 160 países, e que é um sítio onde se podem fazer negócios», frisou Pedro Siza Vieira, em declarações à SIC Notícias. Mas, na prática, de onde vêm estes números? O SOL colocou esta questão ao Ministério da Economia, que optou por nos encaminhar para «o relatório que, em 2018, o Governo solicitou ao GEE [Gabinete de Estratégia e Estudos] para calcular o impacto que as últimas edições (2016, 2017 e 2018) tiveram no desenvolvimento da economia do país e aquilo que se espera para as próximas 10 edições (incluindo a de 2019)».
Ora, trata-se de projeções que, como em todos os relatórios do género, estão sujeitas a uma série de limitações e contingências. «O presente relatório estima os impactos económicos em Portugal da Web Summit de 2016 a 2028, usando para tal informação fornecida pela entidade promotora do evento e informação secundária retirada das Contas Nacionais (INE). Recomenda-se a recolha de dados primários através de inquéritos aos visitantes que validem os pressupostos assumidos», refere o documento que o SOL consultou. E logo o primeiro pressuposto que cai por terra é o do número de pessoas que marcaram presença no evento: o relatório do GEE coloca três cenários em cima da mesa para a edição deste ano, com o número de participantes a variar entre cerca de 86 mil e 96 mil pessoas. Ora, nas estimativas da própria organização, estiveram na Web Summit 70.469 pessoas, incluindo 2526 jornalistas, 1206 oradores e 2700 voluntários.
Os cálculos são então feitos com base num número consideravelmente superior ao que se verificou. Os números são calculados também partindo do pressuposto de que os visitantes estrangeiros e os profissionais que estivessem a trabalhar na Web Summit ficassem em média cinco dias em Lisboa, usassem serviços de transporte terrestre, serviços de alojamento, de restauração, serviços criativos, artísticos e de espetáculo, gastos de organização local e outros. E é o próprio GEE que alerta para a limitação deste pressuposto: «Assumiu-se uma estadia média de 5 noites nos cenários A e B. Qualquer variação deste número corresponde a uma variação diretamente proporcional nos impactos estimados. Dada a sensibilidade dos resultados relativamente a variações neste parâmetro, seria conveniente proceder à sua validação através de inquérito junto dos participantes».
Com base nos parâmetros acima referidos, o GEE calculou um impacto direto com despesas em três cenários distintos, cujos valores variavam entre cerca de 83 milhões e 111 milhões de euros. Depois, analisou o total das receitas fiscais, prevendo valores que variam entre cerca de 28 milhões e os 65 milhões de euros. Fazendo as contas, estaríamos perante um retorno que variaria entre os 111 milhões de euros e os 176 milhões de euros, sempre abaixo dos números avançados pelo ministro da Economia.
A Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) também fez as contas e chegou à conclusão que a Web Summit teria um impacto de 64,4 milhões de euros no turismo. Com base nas edições anteriores, a AHRESP fez uma média de quanto os participantes iriam gastar com alojamento, alimentação, animação e outros, chegando a este valor. Mas o SOL tentou obter mais esclarecimentos sobre estas previsões junto de fonte oficial e até ao fecho desta edição não obteve resposta.
Ou seja, não há qualquer base de sustentação objectiva para os ganhos reais desta cimeira dedicada ao mundo virtual.
Despesas extra
E não pode esquecer-se que o Estado português – e a Câmara de Lisboa – teve de entrar com mais dinheiro do que estava previsto para este ano. Além do investimento público anual de pelo menos 11 milhões de euros – dos quais três milhões atribuídos pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) – a autarquia teve ainda de desembolsar mais dinheiro para garantir a realização do evento.
Em face dos atrasos na expansão do espaço onde decorre a Web Summit, a CML teve de avançar com quase cinco milhões de euros só para aluguer de espaços, montagem de tendas e comunicações. «Os 4,7 milhões de euros são relativos ao aluguer de espaços (FIL e Altice Arena), às tendas provisórias para garantir as áreas de exposição de que a organização necessita e a aquisição de logística de comunicação – wi-fi de última geração, crucial para a realização de um evento desta natureza», referiu a autarquia, em comunicado. No entanto, fonte da CML revelou ao SOL que as despesas não ficaram por aqui, salientando que houve «custos indiretos» de mais de cinco milhões de euros.
Contas feitas, saíram dos cofres do Estado (incluindo da CML) mais de 20 milhões de euros para fazer face ao evento.
Impacto internacional
Mas nem tudo são contas. O impacto da Web Summit também pode ser ‘medido’ pela repercussão na comunicação social internacional. E a verdade é que muitos dos principais jornais e canais de televisão ignoraram por completo o evento.
O SOL fez uma pesquisa pelos principais meios de comunicação estrangeiros e poucas notícias encontrou sobre a Web Summit. A BBC e o New York Times – este último com recurso a artigos feitos por agências de notícias – foram dos poucos que acompanharam a cimeira, dando destaque a determinados temas, mas a maioria ignorou por completo o que se estava a passar. O Guardian, a CNN, o Le Monde e a Aljazeera são alguns exemplos dos meios que não fizeram uma única referência à Web Summit.
Ou seja, mesmo o impacto mediático fica obviamente àquem do esperado. Apesar da presença de milhares de jornalistas no Parque das Nações, muitos eram de pequenos meios de comunicação ou de agências de notícias. Nos jornais e canais de televisão mais importantes ou de referência internacional ou em países de média ou grande dimensão, a Web Summit passou completamente ao lado.
Um novo Euro2004
O economista João Duque reconhece que é «difícil» perceber qual será, afinal, o retorno da Web Summit. «As contas devem ser do ponto de vista marginal. É dito que os hotéis encheram. Mas então, se calhar, houve pessoas que não puderam vir nessa altura porque os hotéis estavam cheios. A pergunta que deve ser feita é se se perdeu alguma coisa pelo facto de os participantes da Web Summit virem até Lisboa, porque para virem aquelas pessoas deixam de vir outras», explicou ao SOL. Além disso, o especialista defende que existem fatores que são muito difíceis de medir: «Era interessante ir até ao aeroporto, falar com quem cá esteve pela primeira vez e perceber se tenciona voltar. Ou falar com o dono de uma empresa e ver se tenciona trazê-la para Portugal».
Já o economista Eugénio Rosa vai mais longe e diz que as projeções do Governo de obter um retorno de 180 milhões de euros são «manifestamente exorbitantes e não têm qualquer base real». E dá o exemplo do Euro2004: «Um estudo mandado fazer pela A UEFA estimava que Portugal seria beneficiado com um retorno 260 milhões no turismo, e 290 milhões de euros e de publicidade. Mas o que aconteceu de facto, foi que nem metade destes valores foram atingidos e que, segundo o Tribunal de Contas, o Estado português e as autarquias tiveram de suportar cerca de 1.035 milhões com a construção de estádios de futebol, a maioria dos quais não são utilizados atualmente (exceção para os dos 3 grandes clubes de futebol) e que têm representado um pesado encargo para as câmaras (encargos financeiros do endividamento e manutenção), que até os querem vender mas que ninguém compra».
O especialista reconhece, ainda assim, que a Web Summit traz benefícios para o país, nomeadamente a promoção de empresas. Mas será que vale a pena continuar a apostar neste evento? «Depende, tem de fazer-se uma análise de custo/beneficio. E o que o tem acontecido é que o Governo, a Câmara de Lisboa, e até o Presidente da República limitam-se a falar dos benefícios, mas escondem os custos que são pagos por todos nós através de impostos. Continuamos sem saber quanto custa cada um destes eventos ao Estado português e à autarquia de Lisboa. A falta de transparência dos governantes continua a imperar no nosso país, que acham que o dinheiro dos impostos é seu e podem gastá-lo sem prestara contas».