Há três anos e meio, uma mãe de duas crianças, uma com quatro anos e outra com 18 meses, entrou rio dentro numa praia de Oeiras e sacrificou-as à morte por afogamento. Diz-se que tentou suicidar-se mas saiu da água com vida, em pânico e em hipotermia, mas sem as duas crianças.
Ao que foi noticiado na altura, as duas crianças e a própria mulher seriam vítimas de violência doméstica por parte do pai das duas meninas e ex-companheiro da mãe. A mulher, antes de cometer o desesperado e criminoso ato, teria apresentado queixa e tentado recorrer à ajuda de familiares e dos serviços de assistência social.
Julgada no tribunal de Cascais, foi condenada a 25 anos de prisão e a pagar uma indemnização ao pai das crianças de 60 mil euros. Afinal, parece que a mulher o ‘acusava’ de ser «pedófilo» apenas por dar beijinhos às filhas.
Já na cadeia, terá tentado suicidar-se. Como se disse que terá tentado suicidar-se quando entrou com as filhas rio dentro, naquela noite dramática, uma vez que deixou um bilhete no carro em que podia ler-se «Pai desculpa, não consegui aguentar».
A verdade material, a possível de se alcançar, será com certeza a que o tribunal de Cascais deu como provada e da qual resultou a condenação daquela mulher à pena máxima prevista na lei penal portuguesa.
Mas, se essa é a verdade, e se aqueles pais estavam separados, como podia aquela mãe ter ficado com a guarda das duas crianças?
O acórdão condenatório é violentíssimo para a mãe criminosa. Mas não tem uma única observação para o sistema (assistência social, curadoria de menores do Ministério Público e para os próprios tribunais, incluindo os juízes de Família, mais um sem número de instituições financiadas para cumprirem objetivos assistenciais e de apoio que de muito pouco ou nada servem a quem devia) que permitiu que aquelas duas malogradas crianças tivessem ficado entregues aos cuidados daquela desequilibrada mãe e não ao pelos vistos extremoso pai.
Pois sim. Ai se a Justiça julgasse este sistema e a própria Justiça… E, com tantos destes casos, já era mais do que a hora.
Esta semana, no caso da jovem sem abrigo que depositou o filho recém-nascido num ecoponto, há toda uma envolvente circunstancial que não pode deixar de ponderar-se no julgamento daquela mulher.
E há sobretudo um facto que não aconselha a que sigamos sem pejo a onda de solidariedade absolutória que entretanto foi crescendo, ao ponto de o mais alto magistrado da nação, Marcelo Rebelo de Sousa, sair a terreiro em defesa da jovem sem abrigo.
É que a jovem levou os nove meses da gravidez a tentar escondê-la de todos quantos a rodeavam, incluindo dos assistentes sociais que a terão tentado ajudar e do próprio companheiro com quem partilhava a tenda onde dormia.
Ora, isso prenuncia o pior dos sentimentos e deixa pouca margem para que se acredite que o ato de abandono do bebé no ecoponto resulte de um instinto irrefletido e traumático pós-parto.
Cabe, naturalmente, aos tribunais apurar a verdade material e julgar aquela mãe pelo seus atos, que, independentemente dos circunstancialismos que o rodearam, obrigam ao procedimento criminal. Não pode ser de outra maneira.
Se a vida de um bebé inocente – abandonado à sua má sorte – não for protegida pelo ordenamento jurídico e criminal de um estado de direito, o que há de ser?
À Justiça cumpre, naturalmente, ponderar todas as circunstâncias envolventes. Que podem ser atenuantes ou agravantes.
À Justiça não cabe, porém, absolver quem é culpado e atua com dolo ou com negligência grosseira.
E quando a prática é demasiado reiterada não pode deixar de haver condenação – sobretudo quando essa mesma prática e essa mesma negligência grosseira são imputáveis ao Estado. Como é também aqui o caso.
É sabido que a morte é muitas vezes vista (e cada vez por mais gente) como um recurso legítimo em circunstâncias de sofrimento, de incapacidade, de transtorno.
A tal ponto que cada vez mais vão-se criando quadros e fundamentos justificativos da despenalização do ato de matar.
A vida é e terá de ser sempre o valor primeiro a defender pela Lei, pela Justiça e pelo Homem.
Quando assim não for, não há valor que resista.