Medo dos pequenos, violações e piropos

Os partidos tradicionais mostraram que convivem mal com a democracia quando esta não lhes convém.

A Assembleia da República, como já foi dito, nunca mais será a mesma com a chegada dos três pequenos novos partidos, que são mais soltos e não têm tantas amarras como os tradicionais. É certo que a representante do Livre está inserida num partido com alguns anos e deve espalhar a cartilha do mesmo. Já o Chega e a Iniciativa Liberal confundem-se com os deputados que elegeram. Alguém consegue imaginar alguma coisa do Chega que não seja em André Ventura? João Cotrim de Figueiredo, que não era o líder da Iniciativa Liberal, acabou por ficar com o bebé nas mãos e o partido será o que ele conseguir fazer no Parlamento. Como estão soltos, Cotrim e Ventura arriscam-se a ganhar cada vez mais apoiantes para as suas causas, embora ninguém possa imaginar quem serão os hipotéticos reforços no futuro.

Cientes de que os novos deputados, e em especial André Ventura, podem fazer estragos nas contas futuras do Parlamento, os partidos instalados à esquerda tentaram calar os novos representantes do povo. O tiro saiu-lhes pela culatra e enquanto não aprenderem a lidar com estes novos fenómenos só cometerão deslizes. Deslizes esses que reverterão para os novatos na matéria. Mas não deixa de ser revelador o medo que esses partidos tradicionais têm de André Ventura, João Cotrim Figueiredo ou Joacine Katar Moreira. Se as baterias estão apontadas para o representante do Chega – que só não crescerá mais se apostar no comentário desportivo – calculo que o BE e o PCP também não quererão que a representante do Livre lhes ganhe espaço. Já Cotrim poderá ser o principal coveiro do CDS se este não mudar de postura, embora Cecília Meireles tenha tudo para conseguir fazer-lhe alguma frente.

É dos livros. O extremismo só estimula o extremismo. Ontem um filósofo francês incendiou um pouco as redes sociais e a comunicação social europeia ao dizer que violava a mulher todos os dias, incentivando os outros homens a fazer o mesmo às suas. Alain Finkielkraut, filósofo e escritor francês de 70 anos, referia-se à «cultura [dos dias de hoje] da violação, que engloba desde gracejos brejeiros, assédio até ao galanteio» em contraponto à cultura da penetração forçada de que se falava no passado, segundo notícia do Expresso.

Penso que o filósofo em questão quis chamar a atenção para o histerismo que existe nos dias de hoje, em que algumas mulheres aparecem a falar de que há 30 ou 40 anos foram apalpadas por alguém ou que esse personagem terá dito uma graçola ofensiva. No meio deste barulho infernal – que sentido faz alguém falar de uma apalpadela de há não sei quantos anos? – perde-se o foco da questão: as verdadeiras violações que ocorrem diariamente e que têm de ser combatidas sem tréguas. Só que a(o)s adepta(o)s do Metoo querem instituir uma nova ordem onde a sedução entre homem e mulher deve desaparecer do quotidiano.

É óbvio que a provocação do filósofo francês é chocante se for retirada do contexto em que o disse. Finkielkraut, penso, quis chamar a atenção para este tempo de novos inquisidores que confundem o essencial com o supérfluo. Metade dos casos que vejo relatados não fazem grande sentido. Até vi coisas absurdas, como alguém queixar-se de um antigo Presidente americano que, quando já estava de cadeiras de rodas, a apalpou e que ficou marcada profundamente por isso. Isto faz algum sentido?

vitor.rainho@sol.pt