Foi preciso uma hora e meia de debate na Comissão de Assuntos Constitucionais para que os grandes partidos decidissem dar um minuto e meio aos mais pequenos. A esquerda começou por impedir Joacine Moreira, André Ventura e João Cotrim Figueiredo de falarem no debate com o primeiro-ministro, que se realizou na quarta-feira, mas recuou depois da polémica. Da polémica e da intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa, de Ferro Rodrigues e de outras figuras do PS – todos obviamente a favor do direito de intervenção dos deputados únicos das novas forças políticas parlamentares.
O Parlamento vai avançar com alterações ao regimento para definir os direitos dos partidos com apenas um deputado, mas até lá era preciso uma solução. A decisão da esquerda de não deixar falar os pequenos partidos no debate quinzenal foi classificada pelo presidente da Assembleia da República como «um grande erro». E no interior do PS houve várias vozes que logo se fizeram ouvir em protesto contra aquela decisão. «A ideia de que os partidos que só têm um deputado eleito possam ser impedidos de participar no debate parlamentar quinzenal com o Governo, é para mim claramente inaceitável. Se é uma questão de regimento, alterem rapidamente o regimento. Seria um sério entorse às mais elementares regras democráticas impedir os pequenos partidos de falar. Alem de que seria transformá-los a curto prazo em grandes», escreveu, nas redes sociais, o socialista João Soares. Isabel Moreira pediu «bom senso» e o ex-deputado do PSFernando Jesus classificou a polémica como «simplesmente lamentável». O antigo ministro Paulo Pedroso também manifestou a esperança de que «não chegue a haver um único debate em que assistamos ao vazio que foi criado pelo fim da exceção sem substituição por um novo regimento».
Perante as críticas de parte da esquerda e generalizadas da direita, a esquerda parlamentar acabou por recuar. «OPS foi empurrado e virou o bico ao prego depois de um puxão de orelhas» do presidente da Assembleia da República, disse o deputado do PSD Carlos Peixoto.
A reunião para decidir se os pequenos partidos falariam realizou-se um dia antes do debate quinzenal com o primeiro-ministro. Depois de muita discussão, a solução passou por aprovar a proposta do CDS: aplicar aos novos partidos as mesmas regras de que beneficiara o PAN na última legislatura.
Impostos e amor
Os pequenos partidos falaram mesmo no debate e questionaram António Costa sobre o aumento do salário mínimo e dos impostos.
André Ventura desafiou o primeiro-ministro a garantir que não vai aumentar os impostos indiretos durante esta legislatura. «Não vou dar nenhuma garantia de que os impostos indiretos não sobem durante esta legislatura. Direi mesmo mais: não me comprometerei com um cêntimo que seja de benefício fiscal para diminuir a tributação sobre combustíveis fósseis quando o mundo tem de se mobilizar para um combate sem tréguas contra as alterações climáticas», respondeu o primeiro-ministro.
Perante a resposta de Costa, o deputado do Chega escreveu, nas redes sociais: «O Chega conseguiu do primeiro-ministro o mais importante: a garantia de que vai voltar a aumentar os impostos indiretos e fazer-nos a todos de parvos durante mais uma legislatura».
João Cotrim Figueiredo também questionou o primeiro-ministro sobre o agravamento dos impostos. «Pode garantir que não vai proceder a aumentos globais de impostos em Portugal nesta legislatura?». Cotrim Figueiredo contestou também a medida anunciada pela ministra Alexandra Leitão de que os funcionários públicos mais assíduos vão ser premiados.
Mais surpreendente foi a intervenção de Joacine Katar Moreira. Não tanto pelo tema, porque o aumento do salário mínimo é uma bandeira do Livre há muito tempo, mas pela forma como a deputada colocou a questão: «Não se pode falar de salário mínimo nacional sem se falar de amor, porque política sem amor é comércio. Um ordenado mínimo de 600 e tal euros é um ordenado mínimo de absoluto desamor». Costa respondeu com a garantia de que o aumento do salário mínimo «nada tem a ver com amor, tem a ver com uma questão de justiça e de política económica». Mas o máximo que consegue dar é 750 euros até ao final desta legislatura.
Assembleia vai ter novo Regimento
Os deputados vão debater alterações ao Regimento da Assembleia da República para definir novas regras para os partidos só com um deputado. OPSD apresentou esta sexta-feira um projecto de diploma em que começa por explicar que a nova composição do Parlamento «conduziu à necessidade de serem repensados os direitos dos deputados únicos» para que «também eles possam dar voz aos eleitores que os elegeram».
Os sociais-democratas definem que os partidos com um deputado podem falar durante minuto e meio nos debates quinzenais – o mesmo tempo que era dado ao PAN na última legislatura. A proposta do PS defende, porém, que estes deputados devem ter apenas um minuto. Nos demais debates, o PSD defende que os deputados únicos devem falar um minuto. A proposta prevê que estes deputados tenham direito a intervir nos debates sobre o programa do Governo ou do Estado da Nação.
Outra alteração abre a porta à presença dos deputados únicos na conferência de líderes – o presidente da AR pode convocar os deputados únicos «quando entenda útil em face da ordem de trabalhos da reunião, designadamente para marcação de agendamentos que lhes caibam».