Que o sistema fiscal é um labirinto, é uma ideia que não sofre contestação. Que a complexidade é perpetuada pelos que têm a sua indústria nos pareceres fiscais, é também uma suspeita partilhada por muitos, de tal sorte que um ‘Simplex fiscal’ deveria ser a prioridade das prioridades para um Governo amigo dos cidadãos.
Contraditoriamente, o Executivo parece preferir a obscuridade à transparência. Detenhamo-nos no debate sobre o programa de Governo, e na reação do primeiro-ministro à interpelação da líder da bancada do CDS: «Poderá garantir que, com a nova grelha de escalões do IRS, nenhum contribuinte irá ter a sua situação contributiva agravada?». Visivelmente agastado, o chefe do Governo começou por divagar sobre a progressividade dos impostos e as políticas redistributivas, rematando com a proclamação: «É objetivo nuclear do Governo aliviar a pressão fiscal sobre a classe média».
António Costa foi claro quanto ao que promete aos ‘de baixo’ (o aumento do salário mínimo) e aos ‘do meio’ (o alívio fiscal), mas escondeu o que tem preparado para os ‘de cima’. Em vez de se irritar, o chefe do Governo tinha a obrigação de esclarecer a câmara, e o país, sobre a matéria concreta de que tratava a pergunta.
A um primeiro-ministro que parece confundir os que mais ganham com os que mais têm, sugiro que compare a lista dos dez portugueses que pagaram mais IRS, desde que este existe, com a dos dez portugueses mais ricos, segundo as publicações da especialidade. Se encontrar um só nome em comum, prometo pagar-lhe um café… naturalmente na estação do Pragal. No caso de não haver qualquer coincidência, não cobrarei o café recíproco, apenas pedirei que regresse ao Parlamento e diga, preto no branco, se o Governo tem, ou não, a intenção de agravar a tributação os rendimentos de trabalho mais elevados.
O segundo membro da equação, IRS mais progressivo = Alívio da classe média, impõe a definição… de ‘classe média’.
Quererá o Governo esclarecer o país sobre quem integra a ‘classe média’? Serão os que exibem ‘sinais exteriores de riqueza’, tipo casa própria, carro, filhos na universidade…? Ou, pelo contrário, o Governo usa a bitola dos rendimentos do trabalho, para estatuir que pertencem à classe média… por exemplo, os que auferem remunerações entre os mil e os três mil euros? Tomo este limite porque, segundo alguns dos seus aliados, a partir de cinco salários mínimos… os ordenados já são milionários!
O primeiro-ministro tem lamentado que Portugal seja dos países onde é menor a diferença entre o salário mínimo e o médio. A compunção assenta bem a um governante preocupado com a justiça social. Mas também lhe ficaria bem o amor à verdade, que levaria a reconhecer expressamente que este é resultado funesto da perseguição aos ‘ordenados milionários’.
Há portugueses com ordenados milionários, agora sem aspas? Há, sim senhor, mas estão no estrangeiro… e não é no futebol. Estão na banca e nos automóveis, a elevar o salário médio de países onde os que ganham mais não são perseguidos.