Se não se chamasse Libertadores podia muito bem chamar-se Simón Bolívar. Afinal ele foi o maior de todos os libertadores da América do Sul, fundador da Grã-Colômbia, o homem que no dia 14 de Agosto de 1905, na igreja de Santa Catarina, em Roma, jurou com solenidade perante o seu amigo Francisco Rodríguez del Toro que não morreria enquanto não libertasse todos os povos latino-americanos do jugo espanhol. O momento ficou sublinhado na História como Juramento do Monte Sacro. Depois foi para a Venezuela iniciar um movimento imparável. A Junta de Caracas foi o início das independências. Precisamente Caracas onde nascera Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios Ponte-Andrade y Blanco, El Libertador.
A Copa Libertadores surgiu em 1960 mas ainda não se chamava Libertadores. Era só a Copa dos Campeões da América que copiava a Taça dos_Campeões Europeus. Mas a ideia tinha anos e anos de fermentação. Desde que, na década de 1930, as federações dos vizinhos Uruguai e Argentina criaram a Copa Aldao, que também era conhecida como Copa Rio de Plata ou Campeonato Rioplatense por via da foz ancha do rio que deixa de um lado Buenos Aires e do outro Montevidéu. Ricardo Aldao era o presidente da federação argentina, homem por detrás da ideia, mas já tinha ido beber ao que se fazia no início do século com a Copa de Competência Chevallier Boutell ou com a Copa de Honor Cousenier. Tal como na Lei de Antoine Lavoisier, no futebol também muito pouco se cria ou se perde: tudo se transforma.
Convenhamos de nomes como Chevallier Boutell ou Cousenier não revelam grande paixão independentista. Mas ao deitarmos uma breve vista de olhos à lista de participantes em todas essas competições vamos encontrar os mesmos nomes que foram, mais tarde, dominadores da Copa Libertadores: Nacional (Uruguai), Racing (Argentina), River Plate (Argentina), Peñarol (Uruguai), San Lorenzo (Argentina), Independiente (Argentina) e Estudiantes (Argentina).
Ponto de partida
Até aqui, os clubes brasileiros mantinham-se à parte, entretidos com as suas rivalidades internas e com a descoberta da Europa, isto é, com a possibilidade de ganharem uns tostões valentes fazendo digressões pelo Velho Continente onde o seu futebol essencialmente lúdico fazia abrir bocas de espanto.
Mas, na primeira oportunidade, o Vasco da Gama acicatou os adversários ao vencer soberanamente o Campeonato_Sudamericano de Campeones, organizado pelos campeões chilenos do Colo-Colo, em Santiago, com a participação dos detentores dos títulos da maior parte dos países da América do Sul. «Somos a melhor equipa da América!», trataram de berrar os vascaínos, provocando reações em cadeia entre santistas, flamenguistas e fluminenses, ávidos de os derrotar.
Era tempo, então, de estabelecer com factos concretos quem era afinal do melhor da América. E, em 1959, assentou-se nas bases de um torneio que serviria para homenagear os heróis da história sul-americana: José de San Martín, Pedro I, José Bonifácio, Bernardo O’Higgins, José Ortigas e, claro, acima dos demais, Simón Bolívar. O primeiro português a fazer parte da competição foi, por assim dizer, um tal de Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bourbon e Bragança, nascido no Palácio de Queluz no dia 12 de Outubro de 1798, que ganhou o apelido de Alcântara por causa de um frade franciscano e se tornaria o autor da frase célebre: «Brasileiros, que o nosso lema seja, de hoje em diante – Independência ou Morte!». Mais do que uma frase foi um grito. Soltado nas margens do Ipiranga.
Mas Pedro de Alcântara não foi uma bênção por aí além para as equipas brasileiras nos primórdios da taça que também leva o seu nome. A primeira a estrear-se, na edição n.º 1, de 1960, o Bahia, passou como cão em vinha vindimada pelo ecos do triunfo retumbante do Peñarol. No ano seguinte, já com nove participantes, mais dois do que na época anterior, o Peñarol voltou a ganhar. Depois surgiu o Cometa Branco: o_Santos. Que tinha uma linha avançada que parecia letra de samba: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. Arrebatou duas Libertadores e passou a dedicar-se à vida de ‘Globe-trotter’, mostrando Pelé a quem estivesse disposto a pagar, e bem, por o ver em campo.
Em 1965, a Libertadores tornou-se definitivamente Copa Libertadores. Sem campeões pelo meio porque, para lhe dar mais consistência, os segundos classificados de cada campeonato também participavam no início de um crescimento de tal forma imparável que, neste momento, já reúne 47 equipas num gigantismo desmesurado para um continente que se resume a 12 países.
Uruguaios e argentinos trataram de se refastelar com troféus nos anos que se seguiram. Independiente, Peñarol, Racing Club, Estudiantes de La Plata, com o seu formidando Conjunto de Laboratório, o primeiro a conquistar três Libertadores consecutivas. Não tardaria a ser superado pelo Independiente (vencedor em 1972, 1973, 1974 e 1975). Já se tinham passados quinze anos sobre a edição inaugural quando o Cruzeiro se tornou no segundo clube brasileiro a por as mãos na taça, à custa do_River Plate, na final. E que taça! Todo em prata esterlina desenhado pelo italiano Alberto_Gasperi, e com um pedestal bruto em cedro que deve registar o nome de todos os vencedores e já obrigou, por isso, a alterações convenientes. Mais de dez quilos de peso, quase um metro de altura. O ‘Sueño Libertador’ que, segundo a escola sul-americana, deve nascer nas ‘calles’ e seguir daí para os estádios e para os triunfos testemunhados por milhões. Sempre com ‘grinta’ que é o ponto mais alto da garra e do orgulho. Para o vencedor: «La Gloria Eterna!».
O vermelho e o preto
Os argentinos assumiram-se como os grandes conquistadores da Libertadores. «La Copa se mira y se guarda», responderam sempre aos seus vizinhos chilenos que, tendo um único nome entre vencedores e finalistas, Colo-Colo ganhou em 1991 e perdeu em 1973 – se lamentavam com a frase contrária: «La Copa se mira y no se toca». Somam 25 taças, divididas por Independiente (7), Boca Juniores (6), River Plate (4), Estudiantes (4), Racing, Argentinos Juniors, Vélez Sarsfield e San Lorenzo (todos com uma). Os brasileiros veem a seguir com 18:_Santos (3), São Paulo (3), Grémio (3), Cruzeiro (2), Internacional (2), Palmeiras, Flamengo, Vasco da Gama, Corinthians e Atlético Mineiro.
Não é brilhante a vida do Flamengo na história da Libertadores. Uma única final, uma única vitória, no ano já cada vez mais longínquo de 1981, duas presenças nas meias-finais. E a vitória foi sofrida até ao último dos minutos dos três jogos, pois disputava-se em sistema de casa-e-fora e obrigou a um desempate. Comandados por Paulo César Cappegianni, vestiam de vermelho e negro jogadores com a categoria de Mozer, Junior, Andrade, Leandro, Zico, Tite ou Nunes. No dia 13 de Novembro, no Maracanã, 93 mil pessoas assistiram à vitória sobre o Cobreloa, do Chile, por 2-1, dois golos de Zico. A derrota no_estádio Nacional de_Santiago (0-1) não contemplou os golos fora e foi necessário disputar, no Estádio Centenário, em Montevidéu, a partida do tudo ou nada. Deu tudo para o Flamengo: 2-0, com mais dois golos de Zico.
Trinta e oito anos depois cabe a um treinador português, Jorge Jesus, tentar resgatar um prestígio perdido. Em Lima, La Fea, capital do Peru. Frente ao River Plate, «Los Millonarios», o clube de elite platense. Tem a palavra o povão…