Quanto se espera por uma operação em Portugal? E porquê? Os indicadores são publicados nas plataformas de transparência do Ministério da Saúde. Em agosto, o número de doentes à espera de cirurgia para lá dos prazos máximos previstos na lei (180 dias no caso de cirurgias de prioridade normal e menos para as cirurgias prioritárias e oncológicas) ultrapassou pela primeira vez os 50 mil, mesmo com o SNS a fazer mais operações este ano do que em 2018. Isto já depois de uma espera por vezes longa pela consulta, ou consultas, que resultaram na decisão de operação.
Dados carregados esta sexta-feira na plataforma do Ministério da Saúde mostram uma melhoria em setembro, com o número de doentes em lista de espera para cirurgia a reduzir de 245 mil para 243 mil pessoas e o número de pessoas à espera para lá dos prazos legais a baixar para 49 mil, ainda assim um aumento de 15% face a janeiro. E a informação disponibilizada permite retirar a mesma conclusão que os dados de agosto: na maioria dos hospitais o acesso, medido através desde indicador, piorou face ao início do ano. Das 46 unidades hospitalares do SNS, 16 melhoraram ou mantiveram o nível de cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos e nas restantes a capacidade de resposta piorou, em algumas ligeiramente, noutras de forma expressiva.
O SOL procurou respostas junto dos três hospitais que, em agosto, apresentavam a menor taxa global de cumprimento dos tempos de resposta para cirurgia: o IPO de Lisboa, o Centro Hospitalar Tondela Viseu e o Hospital Garcia de Orta, em Almada, onde nas últimas semanas vieram a público as dificuldades das equipas para assegurar as urgências. Apenas o IPO de Lisboa respondeu, ajudando a perceber o cenário para lá das estatísticas.
Antes de mais, é preciso ter em conta que, no caso das cirurgias oncológicas, os prazos de resposta são mais curtos nos hospitais, entre 72 horas e 60 dias após a indicação clínica, consoante a prioridade definida pelos médicos. No IPO, a grande maioria das operações são de doentes oncológicos, o que dificulta a gestão dos tempos de resposta. Dados fornecidos ao SOL pela administração do hospital mostram que nos últimos meses têm conseguido melhorar o acesso sobretudo a doentes muito prioritários, mas as cirurgias de prioridade normal e também prioritárias acabam por ser penalizadas. Ainda assim, ressalva a unidade, no primeiro semestre, 15% das cirurgias foram realizadas até 15 dias após os prazos previstos na lei.
Nesta área, a hipótese dada aos doentes de serem operados noutros hospitais do SNS ou usarem um vale cirurgia quando estão à espera mais de 75% do tempo recomendado para serem operados em hospitais do setor privado e social acaba por não funcionar, explica o hospital. Este ano, até ao final de outubro, apenas 16 doentes aceitaram a transferência: «A maioria dos nossos doentes não aceitam ser transferidos para outros hospitais. Por outro lado, algumas cirurgias já têm sido recusadas pelos prestadores», diz a administração.
O aumento da procura, também de doentes enviados de outros hospitais, «devida a dificuldades de acesso a cirurgia oncológica noutras instituições do SNS, algumas das quais têm diminuído ou cessado essa actividade», é um dos fatores de pressão, explicou ao SOL João Oliveira, presidente do IPO. «Não tem existido possibilidade de reforço da atividade devido a restrições e dificuldades na contratação de pessoal, nomeadamente de médicos anestesistas», acrescenta o médico.
Os dias de greve ao longo dos últimos meses tiveram repercussão na atividades do bloco, que neste momento tem também limitações estruturais. Estão em curso obras de modernização e ampliação do novo bloco, que deverão estar concluídas no segundo trimestre de 2020, e permitir um aumento da resposta. Mas implicam novas contratações: neste momento o hospital tem pedidos pendentes na tutela para a contratação de 25 enfermeiros e 15 assistentes operacionais para o bloco e está à espera de luz verde para contratar 21 médicos para todo o hospital. Além disso, há 18 vagas de enfermeiros e 22 de assistentes operacionais que não foi possível preencher por falta de candidatos. «Há que reformular completamente a política de pessoal para o Serviço Nacional de Saúde», defende João Oliveira. «A criação de um estatuto próprio para profissionais dos serviços públicos de saúde, contemplando as especificidades e valorizando, tanto do ponto de vista das carreiras como da remuneração, contribuiria para evitar a degradação do SNS. Esta, nalguns casos, já se iniciou e deve-se principalmente à desvalorização quantitativa e qualitativa dos profissionais, que é imposta pelas limitações à contratação e não por simples falta de dinheiro», diz o médico, até porque «outras despesas, muito vultuosas, continuam a ser feitas, nomeadamente para adquirir serviços a privados, por valores muito mais elevados que o que o SNS gastaria se tivesse as dotações adequadas de pessoal».
Medidas «em estudo»
O apelo junta-se ao que tem sido feito por sindicatos, ordens e pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares. Esta semana, ao jornal i, o presidente da APAH defendeu que, na ausência de novas medidas, dificilmente os hospitais conseguirão aumentar a resposta, invocando as limitações à contratação de pessoal, não só de médicos e enfermeiros mas também de assistentes operacionais, ao mesmo tempo que os hospitais recorrem a trabalho extraordinário e prestações de serviço. Perante as carências de pessoal, a necessidade de garantir os serviços de urgências desvia recursos que podiam estar a ser usados no reforço das consultas e cirurgias.
Dados fornecidos ao SOL pelo Ministério da Saúde revelam que até outubro houve ainda assim um aumento das consultas externas nos hospitais e das cirurgias face ao ano passado, uma subida de 1,7% nas consultas de 4,2% nas cirurgias. Mas o envelhecimento da população e a maior procura aumenta a pressão sobre o sistema. Quanto a novas medidas, como aumentar a atividade programada ao sábado, a hipótese de retomar contratos em exclusividade para o SNS ou de instituir pactos de permanência para os internos que terminam a formação na especialidade, elencadas no Programa do Governo, a tutela diz apenas que a implementação está «em estudo».