A verdade é que há muito que Tiago Guedes anda por aí. Nem sempre como realizador, é certo. Conhece-o bem o público do teatro – ou, na televisão, quem se lembrar de séries como Odisseia , da autoria de Bruno Nogueira e Gonçalo Waddington, ou Boys, ambas realizadas por ele. Agora, com AHerdade ainda em sala, Tiago Guedes estreia um outro filme (anterior a esse, na verdade): Tristeza e Alegria na Vida das Girafas. Adaptado de uma peça de teatro de Tiago Rodrigues e mantendo os atores Miguel Borges e Tónan Quito em dois dos papéis principais. Já o papel de Girafa, a menina de 10 anos à procura de um lugar para arrumar a dor da perda da mãe que protagoniza a história, entregou-o à sua filha. Maria Abreu, que ao pai pediu autorização para assistir a esta conversa, em que naturalmente, como no filme, acabou também por entrar.
Na nota de intenções de Tristeza e Alegria na Vida das Girafas, escreve que logo da primeira vez que assistiu à peça homónima de Tiago Rodrigues que deu origem ao filme, a voz da Girafa, a protagonista, o marcou de forma tal que de imediato surgiu a vontade de a adaptar ao cinema – ainda que receando no que daria essa adaptação, de que fosse algo menor. Porquê?
Sim, tive muito receio de estragar uma coisa de que gostava muito, porque gostava, e gosto, muito da peça. Quando fazes estas adaptações, ou tentativas de adaptações, tens sempre medo de ir estragar uma coisa que é boa, mas eu tinha a esperança de conseguir torná-la num objeto diferente. Sabia que ao substituir o personagem principal [interpretado por Carla Galvão] por uma menina estaria logo a mudar as regras do jogo.
Mas o que é que na peça fez com que, ao vê-la, visse logo ali um filme?
Andava com vontade de falar sobre uma coisa que tinha acontecido na família, perto, que era como é que uma criança sobrevive à dor de uma perda muito forte. Andava com esse tema a atormentar-me, apetecia-me falar sobre esse assunto. E andava, curiosamente, a ouvir as músicas do Foge Foge Bandido do Manel Cruz [responsável pela banda sonora] quando vi o espetáculo. De repente formou-se ali um triângulo entre estes universos todos, entre mim e estes mundos, que quis muito materializar num filme. O Tiago achou boa ideia. Disse-lhe logo era que achava que no cinema teria de ser uma miúda a fazer o papel, e ele concordou. Houve uma vontade muito grande de guardar e de fazer com que ficassem para sempre o personagem que o Tónan Quito faz, o personagem que o Miguel Borges faz, e essa tal voz, a voz linguística quase da Girafa. A voz escrita, a voz de texto. Acho-a um personagem maravilhoso.
O que o levou a decidir de forma tão imediata que, em cinema, a personagem teria de ser interpretada por uma criança?
São linguagens diferentes. Podia fazer-se com uma adulta em cinema, mas aí entra-se num universo de faz de conta que se torna faz de conta do princípio ao fim. Em teatro, esse é um jogo em que entras, enquanto espectador, e estás ali e participas – ela está a fazer de conta que é uma menina mas tu projetas. Mas, em cinema, se tiveres uma adulta a fazer de conta que é uma menina, já não vais conseguir fazer essa projeção. Há regras de realidade um bocadinho mais concretas. Portanto achei que era importante irmos a esse lado mais realista de um personagem de 10 anos que é maior do que a idade que tem. Isso era importante, como o contraste do urso tal como ele é com uma criança é muito mais forte do que na peça de teatro ainda.
A forma como Judy Garland, o urso, aparece no filme mantém uma ligação visual muito forte à peça.
Quis deixar esse universo do filme que mistura fantasia com realidade confuso, nunca quis traçar uma fronteira muito clara entre a imaginação dela e a realidade: se aquilo está a acontecer, se ela saiu do quarto ou não saiu, nunca quis estabelecer regras muito definidas. Quis mesmo manter a dúvida. Acho que é mais interessante fazeres um bocadinho essa projeção e só no momento da cena final revelar que afinal aquele urso é um urso de peluche. Só aí é que percebes que é tudo uma projeção. Até aí não me apetecia dizer-te, espectador, onde é que começa uma coisa e acaba a outra. Para mim, o Judy sempre foi o alter ego da Girafa, em que ela revela todas as emoções que não te revela enquanto personagem, porque ela é muito fria na forma como está na vida. E tem o urso para canalizar todas as emoções.
O Tiago Rodrigues descreveu-o na altura como um espetáculo sobre «medo do que as crianças pensam e [a] raiva do que os adultos fazem». Essa substituição da protagonista por uma verdadeira criança empurra-nos ainda mais para aí. E essa mudança baralha-nos, perturba-nos: como é que temos um Judy a falar daquela forma com uma criança? Como é que uma criança (uma verdadeira criança) se cruza com um possível pedófilo e tem aquele diálogo?
Baralha. Quis que isso não fosse suavizado. Quis respeitar muito o texto que o Tiago [Rodrigues] escreveu para o pai [Miguel Borges] e para o urso, o Judy [Tónan Quito], e acho que aquilo faz parte da essência e do segredo da peça, acho mesmo. O contraste surge quando se põe ali uma miúda [Maria Abreu, filha do realizador com a atriz Isabel Abreu]. Mas ao mesmo tempo acho que precisas disso, porque esse contraste, que choca…
É o que ajuda também àquela ideia de que a personagem parece muito mais velha do que aquilo que realmente é.
Claro. O contraste entre eles os dois era algo que queria manter, porque é o que se passa dentro dela. E é o que se passa dentro das crianças e é isso que o Tiago está a dizer: que às vezes não queremos aceitar que é assim, que é isto que pensam dos adultos. Sei que esse contraste está lá, mas está lá também a outros níveis:no momento da morte, nessa dureza do crescer.
A certa altura ela diz ao pai «se tivesses sido tu em vez da mãe, agora tínhamos dinheiro para o National Geographic».
É de uma violência brutal. Gosto dessas sensações, da maneira como o urso lhe fala, de ir para uma zona de desconforto que acho interessante porque não é gratuito. Aí sou muito atento, não quero deixar que o filme vá para uma zona de insulto gratuito. Aquilo está lá tudo sempre com algum propósito e faz parte daquele personagem que é o Judy. Ela, a Girafa, tem outro tipo de violências. A forma como termina o filme é extremamente violenta. Mas é algo pelo qual ela tem de passar. Para mim o filme é sobre isso:sobre como é que uma criança lida com a dor. Ela não sabe como lidar com a dor que tem, não sabe o que há de fazer e está à procura de uma fórmula qualquer. Ela não sabe que tem aquela dor quase, está a tentar lidar, é uma sobrevivência. E, quando se apercebe realmente do que está à procura e percebe que não tem solução, é o dia do seu crescimento. Ela percebe que aquilo que de facto quer não tem hipótese de conseguir.
Como é que a Maria entra no filme? Quando surgiu a ideia do filme não seria possível ainda que fosse ela a protagonizá-lo.
Quando começámos a tentar fazer o filme e fomos sendo rejeitados no ICA [Instituto do Cinema e do Audiovisual] a Maria não tinha ainda idade. Não tínhamos ninguém para fazer o papel e, de repente, a Maria tinha a idade do papel – de tal maneira que já ia crescendo para lá da idade. Foi uma das razões pelas quais filmámos nas condições em que filmámos. Não tínhamos dinheiro quando arrancámos, foi graças ao apoio e à colaboração da equipa e dos atores que foi possível fazer o filme. Filmámos em três semanas, que é uma loucura, mas era a única forma de o fazermos. Porque íamos perder não só a Maria e a idade da Maria, como íamos perder uma janela temporal em que havia espaço para os atores fazerem o filme. Decidimos ir. Arrancámos e depois conseguimos o apoio à finalização do ICA.
Embora tenha estreado já no IndieLisboa, este filme chega às salas pouco depois de A Herdade. É muito interessante poder ter quase em simultâneo no cinema dois filmes tão diferentes, com meios de produção tão distintos também, assinados pelo mesmo realizador.
São mesmo muito distintos. A forma de fazer um não tem nada a ver com a forma do outro. Este arranca de uma forma quase guerrilheira de se fazer, A Herdade não, vem com todo um peso e uma estrutura de produção.
Sobre essa forma como fizeram as Girafas: em que é que isso condicionou o filme e em que é que isso o pode ter libertado também?
Acho que condiciona mais do que liberta.
Mas façamos um exercício com o Judy, por exemplo:será que teria sido retratado desta forma, Tónan Quito com um fato de urso, seguindo exatamente a lógica da peça do Tiago Rodrigues, num contexto de uma grande produção, por exemplo?
Ai, isso já não sei. Em termos de liberdade, mesmo n’ A Herdade senti-me muito livre. Nunca me senti muito condicionado em termos de produção. Há uma coisa que não vou negar:foi muito difícil filmar as Girafas no tempo que foi filmado. Mas ao mesmo tempo contei só com pessoas que queriam muito fazer aquele objeto. Portanto, todas as pessoas, da equipa técnica aos atores, todos os que participaram, estavam cheios de vontade de o fazer e isso é contagiante e é uma coisa que não tem preço. Foi o que teve de ser. Uma semana mais [de rodagem] tinha feito muita diferença do ponto de vista qualitativo, mas não tínhamos janela para isso. Portanto, foi um risco assumido. E estou muito contente com o resultado. Acaba por ser o filme que era suposto ser.
Essas pessoas, muito delas amigas. O núcleo central de atores, como o Tónan Quito, o Miguel Borges…
…o Gonçalo [Waddington], o próprio Jorge Andrade que veio um dia, o Tiago Rodrigues, o Romeu Runa, o Miguel Guilherme… são todas pessoas que conheço muito bem e que, acima de tudo, conheciam muito bem a Maria. O Miguel Borges e o Tónan Quito, sem eles não tinha conseguido filmar em três semanas. Eles tinham feito a peça há relativamente pouco tempo e vieram com o texto e com o personagem num nível a que não teríamos tempo em três semanas de chegar. Tudo isso ajudou. Nem ajudou: tornou possível.
Tiveram ensaios?
Não houve tempo para isso. Houve umas conversas, conversas individuais com eles, e os atores que vieram fazer as suas cenas vieram só a uma sessão. Quem estava mais connosco eram o Miguel Borges e o Tónan Quito. E [olha para Maria] tu. Tu és o Albano Jerónimo deste filme [risos].
Foi um desafio dirigir a Maria?
Ser pai e realizador… não é fixe. Mas foi muito bom, foi muito agradável, a Maria foi extremamente profissional. Mesmo. Preparava as cenas, acordava mais cedo do que eu, estava pronta, cheia de vontade, ficou super apaixonada por todo o universo da rodagem, fez amigos entre a equipa técnica. Gostava mais de estar com eles do que de estar a filmar. Estava com medo que houvesse situações de stress e que fosse preciso puxar por ela, mas não foi. Ela facilitou-me muito o meu trabalho. Eu sabia sempre que o pai ia mandar mais do que o realizador. Se houvesse algum stress, o pai tinha mais votos, mas não foi preciso. Houve talvez uma situação de stress, que teve a ver com ela não querer dizer uma asneira. Bloqueou.
Maria Abreu [entra na conversa]- A asneira foi o maior stress.
Tiago Guedes – Ela não queria dizer.
MA – Ainda por cima no tempo em que estava a preparar-me para dizer a asneira cortei o dedo e depois tinha medo do raccord…
TG – Entrou ali em stress e aí, lá está, o pai entrou, disse «vamos parar», mas ela respondeu «não, não, eu quero fazer». E fez e o Tónan foi muito amigo dela nessa cena também. Ou seja, eu sabia que o ambiente era muito familiar e que ela estaria protegida, sempre. Teve uma equipa toda a ampará-la. E pronto, tem este feitio simpático e as pessoas gostaram mesmo dela. A esse nível, foi uma rodagem muito tranquila. Os stresses estiveram relacionados com a falta de tempo para o número de planos que eu tinha na cabeça.
Houve cenas simplificadas por esse motivo?
Todos os momentos do Tchekhov, tinha-os na cabeça de outra forma e acabei por ter de me adaptar ao que aconteceu. E estou muito contente agora, são aqueles acidentes que acontecem e dos quais acabas por gostar. Mas na altura foi muito angustiante.
Aproveitando que já entraste na conversa, Maria, como é que foste assistindo à preparação deste filme, até ao momento em que percebeste que ias ser tu a Girafa?
Tive sempre uma vontade, mas estava a perder a esperança. Há muito tempo, desde quando não tinha ainda idade para fazer o papel, que pedia ao meu pai para o fazer, mas o meu pai respondia-me sempre daquela forma que era «depois vê-se», que já se estava mesmo a ver que ia ser um não. Mas depois começou a ficar cada vez mais em cima da mesa, e eu cada vez mais feliz. Porque esta peça, desde a primeira vez que a vi, e já vi duas vezes, sempre me empolgou. Com a idade que eu tinha, aquele era um mundo diferente, as aberturas de linguagem, de tudo, eram muito diferentes.
TG – E a peça era muito rock ‘n’ roll, era muito divertida.
MA – Era. E por conhecer as pessoas tive sempre vontade de poder fazer aquilo com aquelas pessoas, aquele texto, e de ser aquela personagem.
Já tinhas lido o texto entretanto?
Ler, não. Tinha visto a peça.
Gostas de ir espreitando os trabalhos dos teus pais quando estão ainda em preparação?
TG – Eu não sei… Diz-me.
MA – Depende. Pergunto sempre sobre o que é, porque há coisas que me colocam em posições em que não quero estar.
TG – Sim, há coisas que dizemos que não pode ser.
MA – Não, e há coisas que eu não quero mesmo ver. A mãe já me convidou para uma peça dela que eu não quero ver porque não quero imaginar que ela está naquela posição.
TG – É o Sopro, porque há um momento em que ela morre. A Maria nisto protege-se muito bem, é muito racional. Quando percebe que são coisas que a vão afligir, não vai.
MA – Mas a maior parte das coisas, sim. Vi quase todas as tuas peças. Por acaso sempre gostei dessa preparação. Dantes, quando ias aos teus ensaios de peças e coisas assim, pedia para ir contigo porque gosto de estar lá, gosto de ouvir.
TG – A Maria gosta muito dos bastidores. Uma coisa que senti na rodagem é que ela gosta muito do ambiente fora do plano, do ambiente à volta.
OTiago Rodrigues teve alguma intervenção na adaptação do texto?
TG – Trabalhei com o Tiago na escrita do Noite Sangrenta e escrevemos um outro argumento a quatro mãos que ainda não saiu da gaveta. Quando são adaptações de peças, como o Coro dos Amantes também era, o que ele faz é largar, mas intencionalmente. Apesar de estar sempre a enviar-lhe as versões do argumento, ele faz quase questão de não mexer. Diz mesmo que quer ser surpreendido quando vai ver porque gosta muito desta ideia de algo que ele fez originar outra coisa.
Como é que tudo isto – o cinema, o teatro, a televisão – se vai cruzando e conjugando?
De forma caótica. Vai-se cruzando nas urgências de fazer as coisas e nas oportunidades das mesmas. Tens as vontades e depois todos esses meios são meios que não dependem só da tua vontade: dependem das oportunidades e das circunstâncias. Vai-se gerindo.
Foi assim que surgiu o teatro e a encenação?
A minha primeira peça foi um convite direto, um desafio.
Continuar a fazer teatro é mais fácil do que continuar a fazer cinema?
Depende. É como a televisão: às vezes é fácil, outras vezes não é nada fácil. No cinema tive o Coisa Ruim e o Entre os Dedos separados por poucos anos e depois estive dez anos parado para agora estar a estrear dois filmes, o que também é um absurdo. Não sei se é cíclico, se é uma coisa de oportunidades. Há uma vontade muito grande de continuar a contar histórias, de fazer passar coisas, seja em que formato for. Gosto de muitas coisas que fiz em televisão, gosto de muitas coisas que fiz em cinema e gosto de muitas coisas que faço em teatro. Tenho essa sorte de conseguir estar nos três tabuleiros, mas nunca os dou como garantidos nem sei se a seguir vou poder fazer cinema, se vou poder fazer teatro, é sempre uma incógnita.
Na verdade estudou publicidade. Entende que esse mundo está de alguma forma ligado a isto?
Não. A publicidade surgiu de, como costumo chamar-lhe na minha cabeça, uma espécie de desvio preguiçoso. O cinema só se podia estudar em Lisboa na altura e estava no Porto e não me apetecia largar os amigos. Eles foram todos para um curso de publicidade e eu fui com eles. E tinha também o sonho de… Na altura já existia o Blade Runner, o David Fincher estava a crescer e o Ridley Scott e o Fincher vinham da publicidade, então sentia que de alguma forma poderia chegar ao cinema por vias travessas. O que acabou por acontecer, porque depois dei o salto para o cinema já estando estabelecido como criativo na publicidade. É aí que decido ir [estudar na New York Film Academy] para Nova Iorque, volto e começo a filmar publicidade e consigo, com essa produtora onde estava a fazer publicidade, fazer a minha primeira curta, com o Frederico Serra [produtor de Tristeza e Alegria na Vida das Girafas].
Portanto, acabei por entrar através da publicidade. Dei assim uma volta grande para cá chegar, comecei a filmar tarde, porque fui para Nova Iorque já tinha 26 anos.
Mas não vai trocando apenas de «tabuleiro». Olhando para os próprios filmes…
São todos diferentes. Como a Odisseia é muito diferente d’ Os Boys [série estreada na RTP em 2016, correalizada com Stjepan Klein], que foram
mais uma encomenda. A Odisseia foi um convite do Bruno [Nogueira] e do Gonçalo [Waddington]…
Que se transformou num projeto partilhado.
Exatamente. Nasce dos três. E isso torna-a diferente. Estive a reunir o meu trabalho todo, a olhar para os meus filmes, e são mesmo todos muito diferentes.
Isso acontece porquê?
Não sei bem explicar. Tenho um gosto muito vasto. Gosto muito de filmes de terror, gosto muito de cinema dito mais autoral, gosto às vezes de estupidezes cómicas, absurdas, e então, se me entusiasmo por alguma coisa, vou naquela direção. Costumo dizer que não tenho um estilo. Quando pego num filme como A Herdade estou a falar de um cinema que me diz muito.
Apesar disso, podemos dizer que cada filme acaba por ter um estilo. É uma procura de servir cada projeto com aquilo que ele…
Sim, com o que o projeto pede. Faço isso também um bocadinho em teatro. Ou seja: deixo que a génese ou o texto, a ideia original seja quem condiciona depois o balanço. Não me imponho na ideia. Não lhe imponho uma estética, uma formatação, um estilo. Quero que valha pelo o sítio de onde nasceu, do seu primeiro impulso e aonde faz levar. Como ninguém me obriga a escolher, vou-me mantendo nesta liberdade.
É muito diferente o exercício de encenar uma peça escrita por um dramaturgo de realizar um filme ou uma série a partir de um argumento ou um guião que já te chega às mãos escrito?Em teatro não mexo. Poderia mexer, há quem o faça. Tenho um respeito absoluto pelos textos, porque são os textos que me levam a querer fazer aquilo.
Os textos de teatro publicam-se, os argumentos não.
Não, não se publicam. E não é daí que te nasce normalmente a vontade de fazer. No teatro, para mim, há um respeito absoluto por aquele texto. Às vezes cortas coisinhas de que não gostas, mas coisas muito pequeninas, e trabalhas dentro do tom, do ritmo. Gosto desse desafio de teres ali o texto e teres de fazer com que resulte daquela forma. O cinema é diferente. Por si, é um formato que é super manipulador, porque estás a escolher aquele enquadramento, estás a escolher o som, estás a escolher a luz, estás a escolher tudo.
E tudo isso está a contar.
E a manipular-te. No teatro, estás a falar para um palco e para aquele momento. Acontece todos os dias e todos os dias é diferente: é aquele momento, ali. No cinema, a minha luta é cada vez mais ir à procura de uma maior abstração, de não te manipular tanto. De manipular cada vez menos. J