Estamos habituados a pensar e a falar com base em conceitos e palavras que nos podem ajudar a entender (conhecer melhor) a Realidade em que existimos e nos movemos, como podem transformar-se em armadilhas ou prisões que não nos deixam ver mais claro essa Realidade (’esquerda-direita’, ‘progressistas-reacionários’, ‘democratas-populistas’, etc.).
Convém, por isso, com alguma frequência, afastarmo-nos do curral conceptual em que nos encontramos e analisar o movimento do objeto numa perspetiva mais ampla, histórica, de longo prazo.
Relendo a Breve Interpretação da História de Portugal de António Sérgio, poderemos verificar que os problemas de Portugal nos nossos dias não são mais do que a continuação de uma história que já era bem visível e preocupante nos tempos de D. Diniz e de D. Fernando, a saber, «a nobreza, longe de acompanhar e dirigir o trabalho produtor, marasmava a terra e as indústrias com servidões parasitárias» e «os rebanhos de lanígeros e os de cabras tosavam as urzes e as estevas de que andavam cobertas as leivas outrora produtivas» (recordemos as atuais tretas do ‘êxodo rural’ e da ‘desertificação humana’…)
Ao contrário, foi grande o êxito de Portugal no âmbito do comércio marítimo (da política de Transporte, como se chamava) que trouxe extraordinárias riquezas aos monarcas (o ‘ouro, malagueta marfim e escravos da costa africana’, a ‘pimenta da Índia’, o ‘ouro do Brasil’…) que, para além dos luxos próprios alimentaram, sob múltiplas designações, durante séculos, toda a rede nacional da fidalguia parasitária.
Após a independência do Brasil, «(…) seria necessário encontrar um substituto do Brasil que alimentasse o Tesouro Público». «A luta em que se acha empenhada a nação portuguesa desde 1820 nem por isso deixa de ter, como causa próxima e eficiente, a ambição dos indivíduos de que se compõem os diferentes bandos que, com o falso título de partidos políticos, se disputam entre si os dinheiros públicos…».
Com a ‘perda’ das colónias africanas, em 1974-75, ‘seria enfim necessário encontrar um novo substituto’ para alimentar a elite parasitária nacional…
Na linha revolucionária de Mouzinho da Silveira no séc. XIX, o MFA teve, durante algum tempo, uma alternativa para o país que consistia em: a) Multiplicar a capacidade produtiva nacional, agrícola, industrial, etc., através do trabalho e empenhamento nacionais e do controlo dos principais fatores produtivos, de modo a multiplicar as forças produtivas e erradicar o parasitismo social; b) Através de «soluções de independência» das colónias que assegurassem a permanência dos portugueses lá radicados e uma cooperação futura fraternal entre os respetivos estados e as sociedades.
Este ‘projeto’ não era ‘comunista’, ‘socialista’, ‘social-democrata’, ‘democrata-cristão’ ou qualquer outra invenção similar. Era um projeto de Independência e Dignidade Nacionais, um projeto Patriótico (porque não deixava ninguém para trás). Era um projeto pelo qual Portugal ansiava desde o séc. XIV!
Mas não; por diversas razões e com múltiplos protagonistas, o que resultou em 25 de Novembro e, mais tarde, com a derrota completa de Eanes face a Mário Soares, foi, de novo, a afirmação do ‘projeto da fidalguia parasitária’ (a atual elite política e económica) que descobriu nos ‘Fundos da UE’ a nova fonte de sobrevivência e poder. São os ‘barões’ caracterizados por Almeida Garret!…
Até agora, a UE tem-lhes pago a troco, claro está, da transformação de Portugal num «protetorado ao nível da Bechuanalândia» (expressão de José Pacheco Pereira).
Quando, porém, o ‘esquema’ falhar, como resultado da decrepitude ou falência do ‘Ajuntamento Europeu’, vamos ter, outra vez, de discutir entre nós ‘Mouzinho da Silveira’ e o ‘25 de Abril’ e, nessa base, decidirmos, democrática e patrioticamente, o nosso destino comum, sem explorarmos ninguém nem sendo explorados por outros.