A terra inabitável e a ‘camarada Greta’

Faço parte de uma geração que viveu intensamente a intervenção cívica e política. Geração que se mobilizou por várias causas.

«O mundo não vai acabar se as crianças votarem».

David Runciman

 

Da necessidade de institucionalizar e valorizar o associativismo juvenil, o associativismo cívico, a participação dos jovens na vida política e cívica e na valorização de novos valores de vida como o direito à diferença e o direito ao ambiente.

A par de outras causas – como o direito efetivo à habitação e o fim do serviço militar obrigatório – a causa ambiental foi nuclear num projeto politico para a juventude de um país como Portugal, que à época era o segundo país etariamente mais novo da Europa (e que hoje é o contrário disso…).

Quem não se recorda do GEOTA desses tempos, do ‘pimentinha do ambiente’, do secretário de Estado Carlos Pimenta, da construção e solidificação de uma política pública para o ambiente e para a conservação da natureza? Das demolições no litoral, da maior exigência no uso do território (REN e RAN), da obrigatoriedade da existência de PDMs e demais instrumentos jurídicos de planeamento e ordenamento do território.

A causa ambiental foi marcante para a minha geração. Apesar de termos assistido a movimentos e vozes que, dentro e sobretudo fora de Portugal, em nome do ambiente e da natureza, pouco ou nada fizeram para as nossas vidas coletivas e individuais.

Lembro os movimentos de inspiração marxista-leninista a raiar o anarquismo ambiental, do ‘Nuclear não’, dos seguidores dos tempos do Pacto de Varsóvia. E outros movimentos e vozes que, pela Europa, em nome de uma agenda mais pessoal e ideológica e menos ambiental, tiveram grande eco e destaque mediático.

Fui educado e vivi na prática o que é o ambiente e a natureza na sua plenitude. E não apenas de ouvir falar e contar sobre – como hoje se diz – ‘a problemática ambiental’. Com três filhos, em família, procuramos explicar-lhes as questões ambientais – desde as macro às micro. Somos muito sensíveis a esta problemática. Falamos, debatemos, comparamos, discutimos sobre a temática e a narrativa ambiental.

Preocupamo-nos com o que está a acontecer. E com o que aí pode vir. Somos parte do exército de milhões de pessoas que, no mundo, estão preocupadas com os efeitos das alterações climáticas. Conhecemos várias teorias e estudos sobre a matéria. Mesmo quando alguns estudos minoritários nos dizem que se trata de mais um ciclo como outros que o planeta já viveu. Respeitamos, mas não deixamos de continuar a acreditar que as alterações climáticas têm efeitos nocivos para as nossas vidas e há que tomar medidas.

Recentemente li o livro de David Wallace-Wells, sobre como poderá vir a ser a vida humana pós-aquecimento global. Livro com título perturbador e provocador: A Terra Inabitável. Não aprecio Donald Trump. Não sei se mais pela irresponsabilidade como trata a problemática das alterações climáticas, retirando os EUA do Acordo de Paris, ou devido à diabolização que faz dos imigrantes e da imigração. Donald Trump e outros líderes de países poluidores crónicos, como a China, a Rússia e a Índia, estão a prestar um péssimo contributo.

O mundo tem muitos especialistas conhecedores desta problemática, que não se limitam a fazer diagnósticos. Têm feito muitas propostas. A maioria com azar. Porque quase nunca lhes têm dado espaço mediático. Nem borlas mediáticas. Ao contrário do que tem acontecido com a rapariga sueca. Que é um produto mediático. Afirmá-lo não é politicamente correto. Porque nos tempos de hoje é moda – mesmo só para ir na onda… – elogiá-la, endeusá-la.

Compará-la com tantos e tantas ativistas e movimentos ecológicos, ambientais, é no mínimo exagero… Para não adjetivar de forma mais dura… Levada às costas pelos media e capturada pela extrema-esquerda, Greta Thunberg, se quer continuar a ser de alguma utilidade à causa ambiental, tem de mudar o ‘disco’ e libertar-se dos tiques e perceções cada vez mais fortes de que é a ‘camarada Greta’. Compará-la, a ela e à sua família, com a família Cousteau, é no mínimo revoltante. Os media e as redes sociais que oiçam a filha de Jacques Cousteaux. Quando vamos lendo aquilo que se vai escrevendo sobre a rapariga sueca – como (e passo a citar) ‘a santinha da ladeira climática’, ‘o estranho mundo de Greta’, ‘uma pobre menina’, etc. – não podemos deixar de equacionar se a camarada Greta não será a fundadora de um novo populismo de extrema-esquerda utilizando a questão ambiental

O pior que se poderá fazer ao planeta, à humanidade, é deixar que a causa ambiental fique prisioneira de populismos e extremismos ambientais. Serão infelizmente quase iguais a figuras como Trump, Bolsonaro e Moro. O ‘sistema vigente’ do politicamente correto, sobretudo nos media e nas redes sociais, detesta vozes que dele divergem. Mas como não fui ‘Charlie’ quando quase toda a gente o foi, fui e sou contra o laicismo radical na Europa, não gosto do húngaro Vitor Orban, e, como disse o escritor Vitor Hugo, «chega sempre a hora em que não basta apenas protestar: após a filosofia, a ação é indispensável».

A terra inabitável e a camarada Greta deveriam moderar-se. Daí não resistir a enfatizar a proposta na veste de provocação do politólogo inglês David Runciman de que «o mundo não vai acabar se as crianças votarem». Ele já tem proposta de idade para que tal aconteça – 6 anos. A idade com que entram para a escola…

Está tudo dito e julgo percebido.

olharaocentro@sol.pt