Se, para a reconstrução de Lisboa após o grande terramoto de 1755, o Marquês de Pombal optou por uma arquitetura ‘minimalista’ e funcional, já para o seu usufruto pessoal o primeiro-ministro de D. José preferiu um estilo rico e requintado.
Isso é bem evidente no palácio barroco da quinta de recreio dos Condes de Oeiras, atualmente propriedade do município. Ainda que despojados do recheio, os interiores continuam a exibir um aparato conforme à dignidade do todo-poderoso ministro; mas também os sumptuosos jardins, com estátuas, escadarias, cascatas, um lago artificial e até um aqueduto, exibem essa opulência. O historiador da arte José Meco, especialista em azulejo, considerou esta quinta «o recanto de prazer mais espectacular e cenográfico do século XVIII» português.
É justamente neste refúgio bucólico às portas da capital que se encontra a Casa da Pesca, um edifício de apoio às atividades de lazer na quinta. Começada a construir logo após a aquisição dos terrenos da chamada Quinta de Cima (por coincidência no ano fatídico de 1755), a Casa da Pesca deve o seu nome a essa mesma atividade, que se realizava num tanque contíguo, bem como às representações de temas alusivos à vida marítima nas pinturas decorativas e azulejos.
Os interiores rococó, com estuques trabalhados e tetos pintados, ostentavam um apurado sentido do requinte. Mas nos últimos anos este património, outrora sinónimo de um estilo de vida prazenteiro, degradou-se a olhos vistos, vítima da incúria e do vandalismo. As ervas insinuaram-se e abriram fissuras na escadaria, os tetos ganharam buracos e infiltrações, os azulejos foram saqueados, deixando as paredes cheias de cicatrizes – cada um deles pode chegar a valer mais de uma centena de euros no mercado negro.
Quando a Câmara de Oeiras assumiu a sua gestão, já a Casa da Pesca tinha chegado a um ponto de não retorno. A primeira fase da intervenção arrancou no início do mês passado.
«As obras de conservação preventiva naquele edifício já estão concluídas, tendo sido realizadas com caráter de urgência imperiosa devido à necessidade de intervenção inadiável para conter e retardar a degradação a que este ícone do concelho foi sujeito», informou o executivo municipal no mês de novembro. Atualmente, o edifício encontra-se protegido por uma cobertura provisória e tapumes para impedir o avanço do estado de degradação.
O_restauro representa um investimento de oito milhões de euros. Mas, mesmo após as várias fases da intervenção estarem terminadas, aquilo que os visitantes poderão ver não passará, em grande parte, de uma reconstituição. Por exemplo, azulejos recentes estarão no lugar dos originais, que se perderam e já não poderão ser recuperados.
A delapidação de um tesouro
Mas como chegou a Casa da Pesca a este estado calamitoso?
Entre o apogeu e a ruína mediou um período de aproximadamente dois séculos. Julga-se que será o húngaro Carlos Mardel 1695-1793), um dos arquitetos do Plano da Baixa pombalina, o autor do projeto. Em finais do século XVIII, a quinta era visitada pela Rainha D. Maria I, ‘a Louca’, que elogiou a cascata e pescou no tanque. A_quinta «permaneceu na posse da família Pombal até 1939, ano em que vendem a Quinta ao jornalista Artur Brandão (1876-1960), e se desfazem do recheio do palácio», refere a historiadora da arte Ana Celeste Glória, que desde 2010 se tem empenhado na denúncia do estado ruinoso do monumento, no site patrimonio.pt. «No ano seguinte [1940], o Palácio dos marqueses de Pombal, abrangendo o jardim, Casa de Pesca e Cascata foram classificados de Monumento Nacional».
Adquirida pela Estado, a Casa da Pesca foi posteriormente integrada na Estação Agronómica Nacional. Nos anos 70 chegou a ser «ocupada por uma creche que ali se manteve até 1983», continua o artigo de Ana Celeste Glória. As últimas obras remontavam à década de 1980.
Durante os últimos anos, a Casa da Pesca esteve sob a tutela do Ministério da Agricultura. Foi, pois, sob a responsabilidade do Estado que se desenrolou o processo de pilhagem e degradação do edifício. E só após uma continuada insistência do município e da opinão pública a Direção Geral das Finanças e Tesouro autorizou a transferência da gestão desta joia da arquitetura nacional para a Câmara de Oeiras.