O período político que se avizinha será palco de uma nova luta entre interesses e afirmação de influências com ambicionada repercussão na estruturação do Orçamento de Estado. Notam-se já vigorosas movimentações dos diferentes grupos de pressão empenhados em balizar as condições para a satisfação dos seus interesses nesta sede. Contudo, a proliferação de necessidades alegadas e a alegar impedem qualquer possibilidade da sua consideração conjunta.
A par de novas reivindicações, serão inventariadas outras já conhecidas, ganhando certamente uma especial visibilidade as protagonizadas pelos grupos que possuem capacidade intrínsecas para as transformarem em processos de paralisação da nossa vida coletiva. O que conta, no fundo, é a capacidade de transformar as reivindicações em verdadeiros problemas sociais.
Com efeito, um problema só ganha o estatuto de problema social se for tratado e discutido no plano político, independentemente do número de cidadãos que o apresentem, o que verdadeiramente conta, nesta matéria, é a intensidade e o envolvimento da discussão política.
Porém, depois de apoiados politicamente, os problemas sociais só adquirem expressão e intensidade quando percebidos e dissecados nos níveis, económico, social, moral e ambiental.
Percebe-se desde logo que os ‘sem poder’ possuem uma capacidade diminuta para colocarem putativas condições danosas enquanto verdadeiro problema social, realidade que poderá explicar as motivações pelas quais certos indivíduos ou grupos rivalizam estoicamente entre si para atraírem a atenção tanto dos cidadãos comuns, quanto a dos líderes políticos, tendo em vista captar simpatias para os problemas a que pretendem dar estatuto de problema social.
O dinamismo com que atualmente se geram e anulam problemas sociais faz da política um palco de notoriedade e de vaidades e, em simultâneo, um local de corrupio de tomadas de decisão, envolvendo a definição e redefinição de prioridades reveladoras de posturas diferenciadas consoante se está responsável pelo exercício do poder, se tem ambição de se candidatar a exercê-lo, ou se assume em exclusivo para ser sua oposição.
O poder tem uma natureza cada vez mais efémera. É mais fácil obter, mais fácil perder e mais difícil utilizar. Na verdade, crescem os desafios, crescem os adversários e crescem os condicionalismos para o exercício do poder. Logo, os custos dos erros cometidos traduzem-se em faturas crescentemente robustas.
Por tudo isto, a manipulação dos conflitos vai seguramente avolumar-se, ocultando, como de costume, os verdadeiros motivos e interesses que estão por detrás do uso da retórica conflitual que, como usualmente, apresentará como única saída aquilo que verdadeiramente interessa aos seus promotores, não obstante incorporem na narrativa a desigualdade económica e social, sustentadas pelas gritantes assimetrias e inúmeros escândalos que, na verdade, a fizeram passar de desigualdade tolerada a foco permanente de tensão política e social.
A luta pelo estatuto dos problemas molda indelevelmente o estatuto de influência e de poder dos principais protagonistas naquela luta envolvidos. Acresce, ainda, que as más e as não soluções reforçam ambos os estatutos, até porque, a busca de soluções para os problemas com o estatuto de problemas sociais, embora imperativa é facilmente transferível para terceiros.
A conflitualidade passou a ser a regra, enquanto a harmonia passou a ser a exceção. Receita que é sofisticadamente enquadrada pela vertigem individualista que capitaliza num posicionamento sempre do lado do problema e abre espaço para novos e velhos vendedores de ilusões e de medos, ‘produtos’ que, à cautela, são invariavelmente temperados com ponderadas doses de bodes expiatórios.