A nacionalidade de conveniência não é o caminho

«Tu não consegues viver a vida sem uma borracha». Tom Peters A Assembleia da República discutiu recentemente várias alterações à Lei da Nacionalidade. Por iniciativa do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista, do Partido dos Animais e da Natureza e do Partido Livre (com uma preciosa ajuda do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues),…

«Tu não consegues viver a vida sem uma borracha».
Tom Peters

A Assembleia da República discutiu recentemente várias alterações à Lei da Nacionalidade.

Por iniciativa do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista, do Partido dos Animais e da Natureza e do Partido Livre (com uma preciosa ajuda do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues), foram debatidas iniciativas legislativas com propostas de alterações muito díspares. 

Desde logo, a condenação judicial e a residência ilegal deixaram de ser obstáculos para a obtenção da nacionalidade, privilegiando o jus solis em detrimento do jus sanguinis. E instituiu-se a permissão da naturalização para todos os que nasceram entre o ano da revolução de 1974 e 1981 (essencialmente dirigida a muitos afrodescendentes que nasceram antes da aprovação e entrada em vigor da Lei da Nacionalidade de 1981). 

Este debate político e jurídico suscitado pelo BE, PCP, PAN e Livre aconteceu, na prática, um ano depois da entrada em vigor das últimas alterações à Lei da Nacionalidade. Esta lei é das mais estruturantes do país (e de qualquer país). E daí decorre que as alterações ao regime jurídico de direito da nacionalidade devem ser debatidas e promovidas com muito equilíbrio e moderação.

Não se devem mudar as leis da nacionalidade todos os dias, a toda a hora. Antes pelo contrário: legislar nestas e noutras matérias a quente, a reboque muitas vezes de acontecimentos muito mediatizados ou por agendas ideológicas extremistas, traz por regra mais problemas do que soluções.

Em Portugal, nas últimas décadas, conseguiram-se alguns consensos positivos para se ‘fazerem’ e alterarem leis como a da nacionalidade e da imigração. 

Num mundo cada vez mais global, e onde várias fronteiras físicas, legais e de outra índole se vão esbatendo, as leis da nacionalidade (como as da imigração) são instrumentos jurídico-legais de muita importância para os Estados, para as organizações supra-estaduais, para os cidadãos e para as empresas, e não devem ser politizadas, nem à esquerda nem à direita. 

Devem, sim, ter em conta a conformidade histórica, social, cultural, económica, das respetivas comunidades politicamente organizadas, quer a nível estadual quer a nível supra-estadual.

Países como Portugal, membro da União Europeia e da CPLP, tanto devem evitar-se as soluções baseadas no ‘efeito papão’ e ‘país concha’ como as baseadas no chamado ‘efeito chamada’. O direito da nacionalidade, o direito dos estrangeiros, o direito da imigração têm cada vez mais ‘fronteiras’ político-jurídicas muito sensíveis.

Quando se debatem alterações à lei da nacionalidade, não se pode abrir a porta a soluções que vão ao arrepio da realidade portuguesa, europeia e do espaço lusófono. Bem sabemos que, por exemplo, se a atual lei da nacionalidade portuguesa fosse a que vigorava no século XII, D. Afonso Henriques nunca teria sido português. Aliás, o mesmo sucederia no caso americano com Donald Trump, filho de alemão e escocesa.

Daí fazer sentido que se deixe passar mais tempo para aquilatar a operacionalidade e utilidade da lei da nacionalidade em vigor. Para, no tempo devido, se fazerem as alterações necessárias. Com impacto fora e dentro de portas. 

E sobretudo na relação com os países membros da CPLP – organização que deve ter nos seus desígnios para as próximas décadas a harmonização dos regimes jurídicos de concessão da nacionalidade e de entrada, permanência e saída de cidadãos estrangeiros. Por forma a que o pilar da mobilidade no espaço da CPLP seja cada vez mais estruturante para o futuro de todos os países de língua oficial portuguesa. 

Nesta discussão e neste debate existem os que veem a matéria como de verdadeiro interesse nacional e dos cidadãos. E existem também os que a utilizam como oportunidade para explorarem populismos e extremismos, que nada de positivo acrescentam a países como Portugal.

Para terminar, um facto que reputo de importante: tendo por base os últimos indicadores no nosso país, existem mais pessoas a obter a nacionalidade portuguesa do que nascimentos de bebés portugueses… E um país como o nosso precisa como de pão para a boca de muito mais portugueses!

olharaocentro@sol.pt